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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Caitlin Crews. Todos os direitos reservados.

UM REINO PARA UM XEQUE, N.º 1456 - Abril 2013

Título original: In Defiance of Duty

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®, Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2924-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

– Bela vista...

Kiara não se virou para a voz profunda e autoritária, embora se tivesse apoderado dela, fazendo-a estremecer. Sentiu que se aproximava antes de ele se sentar na cadeira situada ao lado da dela. Havia uma espécie de expetativa no ar, uma quietude eletrificada, como se Sidney inteira guardasse silêncio. Imaginou aquele modo de andar seguro, o modo como a sua masculinidade poderosa fazia com que as cabeças se virassem à sua passagem. O modo como, sem dúvida, estaria a olhar fixamente para ela enquanto se aproximava.

Mas a verdade era que estava à espera dele.

– Que forma tão má de iniciar um namorico... – comentou Kiara, com displicência, mas não conseguia evitá-lo. Decidiu que não olharia para ele. Fingiria estar absorta na contemplação do mar e do entardecer. – Sobretudo, aqui. Esta vista é muito famosa no mundo inteiro.

– Então, isso deveria torná-la ainda mais bonita – respondeu ele, com um tom de humor sob a sedução da sua voz. – Ou és das que acham que as vistas se estragam se forem contempladas por muita gente?

Kiara estava sentada na esplanada inferior do edifício magnífico da Ópera de Sidney. O sol começara a adquirir tons dourados ao lançar a sua luz ténue sobre as águas tranquilas do porto como se estivesse a tentar os arranha-céus da cidade a desviar o olhar do espetáculo maravilhoso do entardecer.

Kiara conhecia aquela sensação. E nem sequer estava a olhar para o homem que se sentara ao seu lado como se fosse o dono da cadeira, da mesa e de ela mesma.

– Não tentes mudar de assunto – disse-lhe, com secura, como se não estivesse completamente afetada pelo poder e pelo carisma que emanava. – Tu é que usaste uma deixa demasiado gasta. Eu só o comentei. Não penso que isso me torne entediante.

Kiara sabia instintivamente que a sua beleza masculina particular seria igualmente poderosa se se atrevesse a virar a cabeça para ele. Podia senti-lo no estômago. Portanto, não o fez. Brincou com a chávena de café que já acabara e tocou no cabelo castanho-claro ondulado que apanhara numa trança. As mãos traíram-na embora se tivesse recostado na cadeira, fingindo que não era consciente da sua presença. Uma presença de cabelo preto e olhos estranhamente claros, de feições árabes e corpo escultural que impressionara todos os que estavam no bar do edifício da Ópera.

Kiara reparou no grupo de mulheres maduras que estavam na mesa do lado, no modo como se viraram para olhar para ele e em como se riram, comentando em voz baixa como adolescentes.

– Diz-me como se joga a isto – disse ele, depois de um momento de silêncio. – Tenho de te cortejar com o meu engenho? Apreciando a beleza do local? Talvez pudesse contar-te uma série de mentiras bonitas e convencer-te a ir para o hotel comigo. Só por uma noite. Uma coisa anónima e furtiva. Achas que resultaria?

– Não saberás a menos que o tentes – respondeu Kiara, contendo um sorriso quando as imagens carnais lhe encheram a mente. – Embora ache que, se expuseres as tuas opções assim, com tanto sangue-frio, não conseguirás nada. Deverias pensar em termos de sedução, não de folhas de cálculo – sorriu, mas continuou a olhar em frente. – Se não te importares que te dê um conselho...

– Entusiasma-me que o faças, é óbvio – respondeu ele, com tom frio e irónico.

No entanto, Kiara sentiu chamas pela pele. E mais profundamente. Mexeu-se na cadeira, cruzando e descruzando as pernas, lamentando que ele ocupasse tanto espaço embora não se tivesse mexido.

– Até ao momento – continuou ela, com tom seguro, – devo dizer-te que não estou absolutamente impressionada.

– Com a vista? – não disfarçou que estava a divertir-se. – Espero que não sejas uma daquelas jovens mundanas superficiais que se fartam depressa de tudo o que o mundo lhes oferece.

– E se for?

– Levaria uma grande deceção.

– Felizmente – respondeu Kiara, com ironia, – não poderias ter-te comprometido muito com algo que tivesse acabado com mentiras e uma visita furtiva a um hotel, pois não? Suponho que a desilusão fosse menor.

– Mas estou cativado! – protestou ele, de um modo que a fez rir-se.

– Pelo meu perfil? – Kiara sorriu e abanou a cabeça. – Foi a única coisa que viste de mim.

– Talvez pelo teu perfil sobreposto a esta famosa vista – sugeriu. – Estou tão impressionado como qualquer turista. É uma pena que não tenha trazido a máquina fotográfica.

Kiara esqueceu que a sua intenção era não olhar para ele e virou a cabeça.

Foi como olhar para o sol. Abrasador. Era bonito, disso não havia nenhuma dúvida, mas não havia nada de delicado nele. Era um exemplo de ferocidade controlada. Era feito de músculos e de linhas marcadas. Tinha o cabelo escuro, a pele morena e os olhos surpreendentemente azuis. Estava sentado ao lado dela com aparente naturalidade, mas Kiara não se deixou enganar. Todo ele era concentração dentro de um corpo atlético coberto por um fato escuro e uma camisa branca como a neve. Transmitia a sensação de que não havia nada no mundo que não conseguisse com as suas mãos tremendamente elegantes.

Kiara sentiu um calafrio selvagem.

– Olá! – disse ele em voz baixa, quando os seus olhares se cruzaram. Curvou a boca num sorriso sensual. – Também gosto desta vista.

Kiara forçou um suspiro.

– Não és muito bom nisto, pois não?

– Pelos vistos, não – os seus olhos impossíveis, uma mistura de azul, verde e cinzento, brilharam. – Ensina-me, por favor. A minha vocação é servir.

Kiara não se riu. Não foi necessário. Foi ele quem curvou os lábios com arrogância masculina, como se fosse tão incapaz de se imaginar a servir como ela.

– Poderia estar à espera de alguém – Kiara esqueceu a vista, estava hipnotizada por ele. Sorriu. – Do meu amante ciumento, por exemplo. Se te visse aqui, poderia mostrar toda a sua agressividade. Com os punhos, por exemplo.

– É um risco que estou disposto a correr.

Não havia dúvida da segurança que encerrava o seu sorriso e Kiara perguntou-se que tipo de mulher podia considerar aquilo tão atraente como lhe parecia a ela. Sem dúvida, deveria envergonhar-se, mas não foi assim.

– É uma ameaça? – perguntou-lhe, coquete. – Isso é muito pouco atraente – mentiu.

– É justamente o que pareces, pouco atraída – afirmou ele, sorrindo com mais segurança.

– Ou talvez seja uma mulher que está sozinha na cidade e procure uma aventura – continuou ela, com o mesmo tom despreocupado. – Mas parece que tu só queres falar das vistas. Ou fazer comentários deprimentes sobre uma noite de paixão furtiva e selvagem. Nenhuma das duas coisas me levaria a sair contigo, pois não?

– Estamos a falar de um encontro? – voltou a curvar os lábios. – Pensava que isto se tratava de sexo. Sexo imaginativo ou, pelo menos, assim espero. Não um encontro aborrecido com flores, cavalheirismo e maneiras educadas.

Kiara demorou um instante a recuperar o fôlego depois do modo como ele pronunciara a palavra «sexo», como se fosse um feitiço. Como era possível que aquele homem fosse tão perigoso? E porque não conseguia defender-se dele?

– A coisa funciona assim: tu finges estar interessado em ter um encontro comigo – informou. – Finges que queres conhecer-me melhor. Quanto mais te esforçares, mais romântico parecerá tudo. Para mim, quero dizer. E esse, é óbvio, é o caminho mais rápido para sexo frenético num quarto de hotel – Kiara encolheu os ombros como se não fosse nada com ela.

– E não posso sugerir diretamente o sexo frenético? – perguntou-lhe ele, como se estivesse muito surpreso, mas o brilho indulgente dos seus olhos indicava outra coisa. – Tens a certeza?

– Só se pensas pagar por ele – Kiara sorriu. – Isso é perfeitamente legal aqui. E não, ofereceres-me um copo não é a mesma coisa.

– Há muitas regras no teu país – disse, com voz pausada, enquanto o seu olhar adquiria um brilho mais selvagem. – O meu é muito mais... direto.

Kiara notou o modo como olhou para ela, o fogo que a percorreu como uma carícia, fazendo-a desejar estar vestida de uma forma mais provocadora. Fazendo-a desejar despir a pele diante do seu olhar. O casaco preto que usava sobre a sweatshirt também preta, as calças de ganga escuras e as botas de repente pesadas. Desejou poder tirar tudo e atirá-lo ao mar. Perguntou-se o que tinha aquele homem para despertar semelhante desejo nela.

Mas já sabia.

– Direto? – repetiu, sentindo a atração daquele rosto, daqueles olhos. Desejava aproximar-se mais da sua boca perversa. Queria mais do que era desejável em público. Durante um instante, esqueceu o jogo e a si mesma por completo.

– Se quero uma coisa – assegurou ele, com voz pausada e lânguida, – tomo-a.

Kiara sentiu a sua voz dentro dela, elétrica e arrebatadora. Durante um instante, só conseguiu olhar para ele, prisioneira do seu olhar.

– Então, suponho que deva considerar-me afortunada por não estar no teu país – disse, depois de um instante, surpreendida por a voz lhe soar tão firme e segura. – Isto é a Austrália. Receio que sejamos bastante civilizados.

– Todos os habitantes dos países novos são iguais – assegurou ele, com um tom que parecia uma carícia. – Tão desenvolvidos, gabando-se de como são civilizados, mas têm um passado vergonhoso, não é? E surge do interior, deixando a descoberto a mentira dessas fachadas.

Kiara apercebeu-se de duas coisas ao mesmo tempo. A primeira era que poderia ficar eternamente a ouvi-lo a falar. Sobre países, sobre passados, sobre o que quisesse. A voz dele despertava algo no seu interior, algo indefeso e sedutor que a deixava sem fôlego e a fazia concentrar-se nele de tal modo que, se o mundo acabasse, não se daria conta. Como não se apercebera de que o sol tinha desaparecido por completo no horizonte, dando lugar à noite escura e doce de Sidney. A única coisa que conseguia ver era a ele. E a segunda coisa que tinha descoberto era que morreria se não lhe tocasse.

– Por muito fascinantes que sejam as tuas teorias sobre os países recentes e o seu passado vergonhoso – disse em voz baixa, olhando-o nos olhos, – acho que prefiro deixar toda esta conversa inútil e despir-me. O que te parece?

Ele voltou a sorrir e Kiara estremeceu da cabeça aos pés. Ele agarrou-lhe a mão e levou-a à boca. Foi um beijo delicado, um gesto de cavalheirismo pensado para quem os rodeava, mas Kiara sentiu-o como uma promessa.

– Nada me agradaria mais – disse ele, com olhos brilhantes. – Mas receio que vá jantar com a minha esposa. Lamento desiludir-te.

– Tenho a certeza de que entenderá – Kiara brincou com os seus dedos. – Quem quereria interpor-se no caminho do sexo acrobático e criativo?

– É muito ciumenta – ele abanou a cabeça. – É como uma doença... Ai! Mordeste-me?

– Não finjas que não gostaste – era um desafio.

Ele largou-lhe a mão, mas aproximou-se mais e puxou-lhe suavemente a trança, inclinando-lhe a cabeça para trás para a obrigar a olhá-lo nos olhos.

– Talvez possa arriscar-me a sofrer um ataque de ciúmes da minha esposa – murmurou.

Aproximou-se ainda mais, até que os seus rostos ficaram a escassos centímetros.

– Acho que conseguirás suportá-lo – assegurou Kiara.

Então, percorreu a distância que os separava e beijou-o.

O xeque Azrin bin Zayed al-Din, príncipe de Khatan, pensou, encantado, que a sua esposa lhe parecia sempre deliciosa.

Tinha os lábios suaves e doces, indicador da paixão a que não podiam sucumbir em público. O que era tão frustrante como delicioso.

Queria mais do que prová-la depois de duas semanas separados. Queria tomá-la com uma ferocidade que poderia tê-lo surpreendido depois de cinco anos de casamento se não estivesse habituado a desejá-la sempre com ardor.

Um ardor pelo qual não podia deixar-se levar naquele momento.

Afastou-se e tentou controlar a dureza que fazia parte da sua natureza, sobretudo no que se referia à sua mulher, e sorriu ao observar a expressão de espanto dela, como se tivesse esquecido onde estavam. Azrin poderia passar a vida a olhar para ela. Adorava o bonito rosto ovalado com o nariz delicado e aquela boca decadente que fora a primeira coisa em que reparara. O cabelo era uma mistura de tons dourados e castanhos que lhe caía pelos ombros em ondas delicadas. A menos que, como naquela tarde, tivesse optado por o apanhar. Parecia mais alta do que na realidade era. Tinha o corpo firme e tonificado por anos de exercício e trabalho árduo, e tendia a vestir-se de forma conservadora, como correspondia à posição.

– Se me tivesses falado assim quando nos conhecemos – disse, desafiando-a, – não creio que tivesse ido atrás de ti. Demasiado audaz e desrespeitosa.

Kiara semicerrou os olhos, tal como ele esperava.

– Falei-te deste modo – replicou, sorrindo. – E adoraste.

– É verdade – Azrin levantou-se e estendeu-lhe a mão para a ajudar a levantar-se.

Ela agarrou-lhe a mão durante muito tempo, como se quisesse agarrar-se àquele contacto. Azrin sentiu uma pontada de desejo. Queria lamber cada centímetro da sua pele, voltar a reconhecê-la como se as duas semanas que tinham estado separados pudessem tê-la mudado. Queria averiguá-lo por si mesmo. Com a boca e com as mãos.

Kiara aninhou-se contra ele enquanto caminhavam pela esplanada para o grupo impressionante de edifícios de Sidney onde se encontrava o apartamento de cobertura que podiam considerar o mais parecido a uma primeira residência para duas pessoas que viajavam tanto como eles.

Ele passou-lhe o braço pelos ombros delicados e contentou-se com o beijo que lhe deu na cabeça. O seu cabelo cheirava a sol e a flores, mas não podia tocar-lhe como queria.

Pelo menos, não naquele momento e naquele lugar.

Nada de demonstrações públicas de afeto entre o príncipe de Khatan e a sua princesa, que causava escândalo só pelo facto de ter nascido num país estrangeiro. Azrin conhecia as regras. Não podia haver nada que sugerisse que não levava a sério o código moral rígido do seu país. Não podia haver provas de que a paixão entre Azrin e a princesa continuava a ser tão intensa que havia dias em que inclusive não saíam da cama. Esperava que aquela noite levasse diretamente a um desses dias, embora soubesse que havia muitas coisas para fazer agora, muitos detalhes para tratar e pouco tempo para...

Deveria contar-lho. Imediatamente. Sabia que devia fazê-lo, não tinha desculpas para esperar, mas uma parte dele recusava-se a aceitar o que estava a acontecer.

Só queria uma noite, mais nada. A última noite da vida de que ambos tinham desfrutado durante tanto tempo que Azrin tinha chegado a acreditar que era outra pessoa. O que significava mais uma noite?

– Senti a tua falta, Azrin – sussurrou Kiara, apertando-se contra o seu corpo enquanto caminhavam. – Duas semanas é muito tempo.

– Não tinha outro remédio – Azrin tentou sorrir.

Adoraria deixar para trás aquela parte da sua vida, pensou, enquanto se dirigiam para o bonito porto de Sidney para apreciar a noite agradável, os restaurantes e as vistas.

Adoraria viver sem aquelas semanas de separação que eles tentavam cingir a dez dias ou menos. As viagens intermináveis a esta ou àquela cidade por todos os cantos do mundo para roubarem um dia, uma noite ou inclusive uma tarde juntos. Encontrando-se com a sua mulher em hotéis de cidades onde não tinham casa e quase sem se darem conta de em que casa estavam quando estavam em alguma. Nova Iorque, Singapura, Tóquio, Paris, a capital do seu próprio país, Arjat an-Nahr. Sempre tendo de ver a sua mulher segundo as exigências das suas agendas.

Não sentiria a falta daquela parte da sua vida. Tudo valeria a pena para acabar com aquilo. Pelo menos, agora estariam juntos. Sem dúvida, isso era o mais importante.

– Não deverias ter ficado tanto tempo em Arjat an-Nahr – estava a dizer-lhe Kiara, com tom brincalhão. – Sinto-me tentada a acreditar que te importa mais o teu país do que a tua pobre e abandonada esposa.

Azrin sabia que estava a brincar. Era óbvio que sim, mas naquela noite incomodou-o. Sugeria coisas a respeito do seu futuro que ele não queria ouvir. Que não podia aceitar mesmo que fossem ditas com tom de humor.

– Um dia, serei rei – recordou-lhe. – Então, tudo passará para segundo plano, Kiara. Inclusive tu.

E ele, era óbvio. Especialmente ele.

Ela olhou-o com aqueles olhos castanhos maravilhosos que deslizaram pelo seu rosto na escuridão. Azrin sabia que o conhecia muito bem e perguntou-se o que estaria a ver. Não a verdade. Nem ela conseguiria averiguá-la com um olhar escrutinador. Ninguém sabia a verdade, exceto os médicos do seu pai, a sua mãe e ele mesmo.

– Sei com quem me casei – disse-lhe Kiara, com doçura.

Mas Azrin não tinha a certeza disso. Então, ela sorriu e voltou a adquirir um tom ligeiro, incitando-o a segui-la para águas mais superficiais.

– Afinal, estás sempre a recordar-mo.

Azrin decidiu que era apenas uma mudança. Tudo mudava, inclusive eles mesmos. Não era bom nem mau, era a natureza das coisas.

E sempre soubera que aquele dia chegaria. Quem quisera enganar durante os últimos cinco anos?

– Referes-te ao facto de te ter pedido que mantivesses a voz baixa enquanto fingias que eu era um desconhecido seguro de si mesmo que estava a namoriscar contigo num bar para que os jornais não partilhem este jogo com o mundo inteiro? – não podia mostrar-se muito duro, sobretudo quando aqueles olhos castanhos tão quentes pareciam chegar diretamente ao seu sexo. E ao seu coração. – Isso é recordar-to, Kiara, ou tem a ver com a preservação da privacidade?

– Sim, meu senhor – murmurou ela, fingindo obediência. Inclusive, inclinou a cabeça em sinal de falso respeito. – Como queira, meu senhor.

A também fingida expressão de exasperação de Azrin levou-a a soltar uma gargalhada e sentiu que aquela música a atravessava como um raio.

Não podia arrepender-se daqueles últimos cinco anos.

XXI

Azrin e Kiara eram considerados a imagem do novo Khatan. Isso não mudaria agora, só se analisaria e se criticaria mais. Especular-se-ia mais sobre eles. Examiná-los-iam à lupa. O seu casamento deixaria de ser só seu, converter-se-ia do domínio público, tal como o resto da sua vida. Era inevitável.

Azrin sempre soubera que aquele dia chegaria, mas não esperava que fosse tão cedo.

– Onde tens a cabeça neste momento? – perguntou-lhe Kiara, parando e obrigando-o a parar também. – Estás muito longe daqui.

O porto de Sidney estava transbordante de estivadores que regressavam a casa depois do trabalho, de grupos de turistas e clientes dos restaurantes.

– Continuo em Khatan – reconheceu Azrin. E era verdade. Agarrou-lhe a mão antes de recomeçar a andar. Guiou-a para a zona de lojas e artistas de rua. – Mas preferia estar dentro de ti. Contigo nua. Acho que sugeriste algo parecido, não foi?

– Sim – confirmou Kiara, com tom despreocupado. – Pensei que o tinha esquecido, meu senhor.

– Nunca esqueço nada que tenha a ver com o teu corpo nu, Kiara – assegurou ele, em voz baixa. – Acredita.

Azrin apercebeu-se de que não estava preparado, mas deveria estar. O que ele quisesse, o que sentisse, já não importava. O que importava era quem era e, portanto, em quem ia converter-se. Tinha de aprender a guardar para si os seus desejos e os seus sentimentos, como fizera durante muitos anos antes de conhecer Kiara. Fora muito egoísta da sua parte passar aqueles últimos cinco anos a fingir que poderia ser de outra maneira.

Abriu a porta do carro preto que os aguardava na calçada a Kiara e, em seguida, sentou-se ao lado dela. Embora fossem príncipes, um xeque real e a sua esposa legítima, tinham passado vários anos a comportar-se como qualquer outro casal poderoso do mundo. Acreditavam em si mesmos, pensou Azrin. Certamente, ele sim.

O príncipe e a princesa de Khatan eram acessíveis. Normais. Trabalhavam muito e não podiam ver-se tanto como gostariam. A sua história não era de haréns e exotismo, excessos reais e a vida absurda dos privilegiados. Eram um casal trabalhador que tentava fazer as coisas o melhor possível todos os dias. Como qualquer outro.

Mas não eram como qualquer outro casal e nunca seriam.

Não eram um casal normal. Tinham estado a fingir que eram, pensou Azrin, com pesar.

Ele seria rei. Ela, a sua rainha. Havia mais expetativas nos papéis que representariam a partir de agora do que nos que tinham estado a exercer durante todo aquele tempo. Tudo mudava, repetiu a si mesmo. Toda a gente mudava.

Mas não naquela noite.