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HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2016 Kim Lawrence

© 2017 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Votos de casamento, n.º 1726 - setembro 2017

Título original: One Night to Wedding Vows

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9170-233-7

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Sergio di Vittorio entrou no casino. Ia com dois homens altos, de fatos escuros, que o seguiam a escassa distância. E, embora não pudesse dizer-se que as pessoas tinham ficado em silêncio ao ver o aristocrata idoso e elegante, era inegável que se criara um ambiente de expectativa.

Raoul, que estava apoiado numa das colunas de mármore, olhou para o recém-chegado com um sorriso irónico, mas carinhoso. Afinal de contas, tratava-se do seu avô. Mas, enquanto olhava para ele, continuou atento ao homem de meia-idade que continuava a esbanjar dinheiro na roleta. Era como ver um acidente de viação ao vivo, um acidente que teria consequências na vida de outras pessoas. Talvez da sua esposa e dos seus filhos. Se é que os tinha.

No entanto, Raoul pensou que não tinha o direito de julgar os outros. Cada um escolhia os seus próprios vícios e ele não era uma exceção. De facto, o brilho dos seus olhos escuros não se devia ao humor com que observava a cena, mas ao brande que degustava.

A sua atitude mudou radicalmente quando viu que o avô se aproximava. Então, Raoul afastou-se da coluna e ficou muito direito. O patriarca dos Di Vittorio era um homem de opiniões rígidas no que dizia respeito à etiqueta e a muitas outras coisas, começando com o jogo. Embora esse detalhe não tivesse nada de particular, tendo em conta que o filho, o pai de Raoul, dera um tiro na cabeça quando as suas dívidas imensas de jogo tinham passado a ser de conhecimento público.

Sergio poderia ter evitado o escândalo pagando-lhe simplesmente as dívidas, que eram apenas trocos para ele. Mas, em vez disso, dissera-lhe que era um problema dele e que devia resolvê-lo pelos seus próprios meios.

Como tantas vezes, Raoul questionou-se se o avô se sentiria culpado por o ter abandonado e, como tantas vezes, chegou a uma conclusão negativa. No mundo de Sergio não havia espaço para a dúvida. Achava-se em posse da verdade.

No entanto, ao princípio, Raoul não se zangara com o avô, mas com o pai. Na altura, era uma criança e não conseguia compreender a intensidade do desespero e os sentimentos autodestrutivos que o tinham levado a tirar a vida. Só sabia que o pai o deixara sozinho. Ou praticamente sozinho, porque ainda tinha o irmão mais velho, Jamie, que cuidara dele até ele aprender a cuidar de si próprio.

Passara muito tempo, mas lembrava-se perfeitamente do dia em que Jamie lhe dera a notícia terrível. Ainda via a sua expressão de tristeza. Ainda sentia o seu abraço quente. O momento ficara gravado na memória, com detalhes tão precisos como o tiquetaque do relógio de parede e o tom profundo da voz de Sergio quando os informara que iriam viver para sua casa.

Raoul abanou a cabeça e levantou o seu copo num cumprimento silencioso aos mortos. Naquele dia, não derramara nenhuma lágrima em público. Não queria mostrar-se fraco à frente do avô, portanto, reservara-as para a privacidade do seu quarto. E, com o passar dos anos, acabara por não chorar em nenhuma circunstância. Era como se tivesse perdido essa capacidade.

Mas o que importava isso? Por muitas lágrimas que derramasse, não lhe devolveriam o pai. Nem o próprio Jamie, que também perdera.

– Sentimos a tua falta no velório – comentou Sergio, ao aproximar-se. – O que fazes no casino? Não me digas que vais seguir os passos do teu pai.

– Bom, é uma possibilidade – troçou, com ironia. – Dizem que a personalidade aditiva é hereditária.

Sergio encolheu os ombros.

– Sim, é o que dizem.

– E de certeza que pensaste isso.

– Não, claro que não – contradisse o avô. – Tu não és viciado no jogo, mas na adrenalina. És como... – Sergio parou de falar de repente e teve de engolir em seco para seguir em frente. – O teu irmão... O Jamie dizia sempre que...

– Que se não me matasse a escalar, morreria ao volante de algum dos meus carros – interrompeu Raoul, incapaz de suportar a angústia do avô.

O destino pregara-lhes uma partida. Ninguém teria imaginado que seria Jamie que morreria jovem. E não ao volante de um desportivo, como dissera ironicamente sobre ele, mas pela simples e pura razão de a vida ser injusta.

– Não esperava que aparecesses num lugar como este – continuou Raoul –, embora admita que sabes muito sobre entradas grandiosas... Despertaste o interesse de todos.

Era verdade. Com oitenta e tantos anos, Sergio di Vittorio continuava a ser imponente: Um homem alto e vestido sempre de preto, cujo cabelo curto e grisalho refletia a luz dos lustres.

– As pessoas perguntaram por ti, Raoul.

Raoul olhou para o avô em silêncio e bebeu outro gole de brande. Se o seu estado emocional não tivesse sido tão lamentável como era, teria sentido curiosidade pela presença de Sergio no casino. Mas não tinha ânimo para nada. Sentia um frio intenso, que o álcool não conseguia aliviar. Um frio interior, sem relação alguma com a temperatura do ambiente.

– Temos de falar – insistiu Sergio.

O neto não lhe fez caso.

– Raoul...

– Já estamos a falar, avô.

– Referia-me a falar em privado.

Sergio fez um gesto brusco com a cabeça leonina para lhe indicar que o seguisse. Raoul quase desobedeceu, mas pensou melhor e acompanhou-o ao interior de uma salinha onde não havia ninguém.

Assim que fecharam a porta, o patriarca dos Di Vittorio olhou para ele nos olhos e disse:

– O teu irmão morreu.

Raoul pensou em imensas respostas irónicas, que se absteve de pronunciar. Sentia-se perfeitamente consciente de que o irmão morrera. Encontrara-o no chão da cozinha e não conseguia tirar a imagem da cabeça. Aparentemente, fora um aneurisma. Jamie não sabia, mas tinha uma bomba relógio no peito.

– O que queres dizer-me? Que a vida continua?

– Não, não continua para todos – redarguiu Sergio. – Estou a morrer, Raoul.

Raoul ficou em silêncio e sentou-se numa das poltronas da sala. Não queria acreditar. Perdera todos os seus entes queridos: O pai, o irmão, a mãe que mal recordava. Até perdera a esposa, embora não pudesse dizer-se que a sua relação com Lucy fora boa. E, agora, também ia perder o avô.

– Tenho um cancro inoperável – declarou Sergio, com toda a tranquilidade. – Deram-me seis meses de vida.

Raoul abanou a cabeça.

– Não, isso não é possível...

Sergio encolheu os ombros.

– As coisas são como são, Raoul. Embora haja uma coisa que me preocupa bastante mais... Já sabes que a continuidade da família é importante para mim.

Raoul suspirou, mas não disse nada.

– O teu irmão não pôde ter um herdeiro.

– Valha-me Deus... Temos de falar disso agora? – perguntou Raoul, angustiado. – O Jamie acabou de morrer. Não podemos deixá-lo para outro dia?

– O tempo é um luxo de que já não disponho – Sergio deu um passo em frente e pôs-lhe as mãos nos ombros. – Raoul, tens de seguir em frente com a tua vida. A Lucy já não está cá.

– Segui em frente com a minha vida...

– Não me refiro a ires para a cama com todas as mulheres que se cruzam no teu caminho.

A crueldade do avô, imprópria nele, serviu para Raoul reagir.

– Não há dúvida alguma sobre o diagnóstico?

– Não.

Raoul tinha consciência de que Sergio não gostava de demonstrações de afeto, portanto, limitou-se a dizer que lamentava. Além disso, nunca fora tão carinhoso como Jamie. Aprendera que esconder os sentimentos tinha as suas vantagens.

– Já me encarreguei da tua herança e do traspasse das propriedades. Mesmo que não gostes, vais ser um homem muito poderoso.

Raoul não disse nada.

– O poder traz responsabilidades – continuou Sergio, num tom de aviso. – E, naturalmente, também traz dinheiro. Mas isso não é tão importante como o facto de, a partir de agora, tudo depender de ti... Se não tiveres um filho, a nossa família acabará contigo.

– E, agora, vais dizer-me que é o teu último desejo, claro – troçou Raoul. – O último desejo de um moribundo.

– É verdade.

– Isso é chantagem emocional.

– Raoul, é possível que não chegue a conhecer os meus netos...

Sergio baixou o olhar com tristeza, mas o seu momento de fraqueza durou pouco. Segundos mais tarde, os seus olhos voltavam a arder com uma determinação implacável.

– No entanto, talvez viva o suficiente para te ver com uma mulher que possa dar-te filhos. Tens de aceitar a realidade de uma vez por todas. A Lucy já não está cá. Está na hora de o aceitares.

Raoul recordou a cara bela, sorridente e traiçoeira de Lucy. Sergio falava como se sentisse a falta dela, mas não era verdade. Como podia sentir a falta de uma pessoa essencialmente tóxica?

O seu problema não tinha a ver com a nostalgia. E também não podia dizer-se que o fracasso do seu casamento o amargurara ao ponto de, agora, odiar todas as mulheres. De facto, adorava as mulheres. O seu problema estava bastante mais centrado: Era ele próprio. Cometera um erro muito grave ao casar-se com Lucy e já não confiava no seu próprio critério.

Sergio tinha razão ao acusá-lo de perder tempo com uma sucessão interminável de amantes. Mas Raoul não agia assim por acaso. As aventuras amorosas serviam para satisfazer as suas necessidades sexuais sem correr o risco de se apaixonar outra vez por uma mulher errada. E, embora tivesse a sensação de que lhe faltava alguma coisa, aprendera a viver com isso.

– Consegues pensar em alguma candidata?

Sergio não fez caso da sua ironia.

– Evidentemente, a decisão é tua.

– Que generoso...

– Não estou a brincar, Raoul. A família é importante. E não quero morrer sabendo que o meu único herdeiro é um playboy incorrigível. Está na hora de aceitares a tua responsabilidade.

– E o que queres que faça? Que ponha um anúncio, como se fosse um emprego, e entreviste as interessadas? Ou estás a pedir-me para seguir os intuitos do meu coração? – quis saber, com ironia.

– Não seria má ideia.

– Qual? A do anúncio? Ou a do coração?

O avô olhou para ele com dureza.

– A do anúncio, é claro. Às vezes, é bom pôr as coisas por escrito. E, por outro lado, é óbvio que a tua esposa devia ter determinadas... qualidades... que...

Sergio cambaleou subitamente e estendeu um braço em busca de socorro. Ao vê-lo assim, o ressentimento de Raoul desapareceu imediatamente. Passou-lhe um braço ao redor das costas e ajudou-o a sentar-se na cadeira que estava mais perto.

Até então, não quisera acreditar que o avô estava realmente a morrer. E percebeu que não podia fazer nada, como também não pudera fazer nada com a gripe que matara a mãe, a bala com que o pai se suicidara e o aneurisma que levara o irmão. Por muito que o incomodasse, estava prestes a tornar-se o último membro da sua família.

No entanto, havia uma coisa que podia fazer. Se Sergio lhe tivesse pedido um rim para um transplante, não teria hesitado nem um segundo. Então, porque hesitava com o seu pedido de assentar? Em certo sentido, era o mesmo.

– Vou chamar uma ambulância.

– Não, não... – negou Sergio, com veemência. – Não quero hospitais. Foi apenas um enjoo e já me passou... Além disso, não posso fazer-te isso num dia como este... O teu irmão teria dito que sou um velho egoísta.

– O Jamie adorava-te, avô.

– O Jamie adorava a vida.

Raoul assentiu e fingiu não ver as lágrimas que tinham aflorado aos seus olhos.

– Sabes uma coisa? Não estás a pedir-me nada em que já não tenha pensado – mentiu Raoul.

– Falas a sério?

– É claro. Não estou a ficar mais jovem com o passar dos anos.

– Estás a dizer-me que queres constituir a tua própria família?

– Bom... É um instinto natural, não é? – replicou Raoul. – De certeza que não queres que chame uma ambulância?

– Não é necessário. O Carlo vai encarregar-se de mim... – murmurou, com fraqueza. – Já te disse o que podes fazer. E quero que saibas que, apesar das tristezas, tu e o teu irmão deram sentido à minha vida... Um sentido que o dinheiro não teria podido dar-me. Lamento não ter sido melhor avô para vocês.

Raoul olhou para Sergio com afeto. Nunca fora um homem carinhoso, mas não podia negar que estivera sempre ao seu lado e ao lado do seu falecido irmão.

– Estás a dizer-me para aprender com os teus erros? – brincou.

– Não te serviria de nada, porque tenho a certeza de que cometerás os teus próprios erros. Todos os cometem – troçou.

Raoul sorriu.

– De todas as formas, posso dar-te um conselho que talvez seja útil – continuou Sergio. – Se decidires assentar com uma mulher, não a escolhas pelo seu aspeto externo. Evidentemente, ninguém espera que acabes na companhia de alguém de que não gostas...

– Alegro-me por perceberes – interrompeu.

– Talvez o que estou a dizer pareça um pouco frio, mas...

– Devo tomar notas? – troçou.

Raoul pensou que Jamie teria achado graça ao seu comentário. Os dois tinham o mesmo sentido de humor. Ou melhor, tinham tido, porque o irmão deixara de existir.

– Tens de ser prático – continuou Sergio. – As coisas importantes não podem deixar-se nas mãos da sorte. E isso inclui o casamento... É um contrato, Raoul. Tens de o enfrentar com a mesma seriedade que dedicarias a qualquer outro tipo de contrato.

– Sim, suponho que tenha razão – concedeu o neto, incomodado. – Queres que chame o Carlo?

Raoul não esperou que respondesse. Abriu a porta e chamou-o, antes de Sergio conseguir continuar com o seu discurso matrimonial.

Carlo apareceu segundos mais tarde com uma empregada que trazia uma bandeja. Depois de um sinal do guarda-costas, a empregada deixou a bandeja na mesa e foi-se embora. Depois, o homem enorme pegou na chaleira, serviu o seu conteúdo e saiu rapidamente.

– É de poucas palavras, eh? – ironizou Raoul.

– É curioso que o digas, tendo em conta que tens o mesmo caráter – comentou Sergio. – Pelo contrário, o Jamie falava até pelos cotovelos.

O chá pareceu animar o avô e Raoul já estava prestes a ir-se embora quando viu que Sergio olhava para ele com uma intensidade estranha. Supôs que quereria retomar o sermão do casamento e das coisas práticas da vida e teve uma surpresa quando disse:

– Há uma coisa que quero perguntar-te... Estou a ponderar a ideia de fazer uma doação generosa ao Hospital Universitário para que abram uma ala nova. E pensei que devia ter o nome do teu irmão – declarou. – Achas que lhe teria parecido bem?

– Sim, é claro, tenho a certeza de que teria gostado. Mas porque me perguntas? Devias perguntar ao Roberto...

Raoul referia-se ao companheiro do seu falecido irmão, que era precisamente neurologista do hospital em questão. Sergio ficou pensativo e, ao fim de uns segundos, disse:

– Falou bem no enterro.

– Sim, é verdade.

– Bom... Talvez o consulte. Mas chega de conversa. Acompanha-me ao carro.

Contente por o avô ter recuperado a sua atitude ditatorial, seguiu-o para o exterior da sala e do casino intensamente iluminado.

Estava bastante calor, como tiveram oportunidade de verificar quando saíram do edifício. A testa de Sergio cobriu-se de suor numa questão de segundos e Raoul, que continuava preocupado com a sua saúde, ofereceu-lhe uma mão para o ajudar a entrar no carro. No entanto, o avô rejeitou-a.

– Ligo-te amanhã?

Sergio abanou a cabeça.

– Não, na semana que vem, como tínhamos planeado. Ainda tenho muito tempo de vida.

Enquanto o carro se afastava, Raoul questionou-se se mentir a um homem moribundo era ético. Mas foi uma pergunta retórica. Já lhe mentira e teria de mentir muito se quisesse enganar o avô e certificar-se de que morria feliz.

– Bolas...

Abanou a cabeça e começou a andar. Não queria pensar na morte. Já sofrera demasiadas perdas. E, agora, para o caso de ser pouco, a doença do avô ia obrigá-lo a mudar de vida e a aceitar uma série de responsabilidades que nunca quisera.

Mas o que podia fazer? Sergio tinha razão. Estava prestes a transformar-se no último Di Vittorio. Quando o avô morresse, só restaria ele.