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HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2008 Kate Welsh

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Partilhar um amor, n.º 1174 - Novembro 2014

Título original: For Jessie’s Sake

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2009

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Julia e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5896-1

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Colin McCarthy regressara a Hopetown e o mundo de Abby Hopewell ficara de pernas para o ar.

A vida que conhecera, que tão cuidadosamente planeara, ficara reduzida a cinzas.

Estava de pé no hall reluzente de Cliff Walk, a pingar sobre o chão de madeira polida que tão cuidadosamente restaurara. E o que era ainda pior, continuava a ser tão atraente como da última vez que o vira.

Continuava a ter aquele cabelo abundante cor de mogno e os mesmos olhos azuis turbulentos. Abby continuava a sentir a mesma electricidade quando estava na sua presença, e a necessidade de sentir os seus braços à volta dela.

Cerrou o punho por baixo do balcão da recepção. Continuava a ser o mesmo homem que fizera amor com ela pela primeira e única vez; o mesmo que, poucos minutos depois de acabar, se mostrara um estranho de coração gélido.

– Abby – cumprimentou Colin, olhando para ela fixamente, evidentemente tão surpreendido por a ver como ela a ele. Por um instante, a sua expressão tornou-se amável e encantadora e, depois, ardente e ávida tal como acontecera daquela única vez… mas, então, cerrou os dentes e o seu queixo endureceu. Os seus olhos adoptaram um ar gélido.

– O que faz uma ilustre Hopewell a trabalhar como recepcionista numa estalagem isolada? – perguntou.

A mudança deixou-a tão perplexa como acontecera no passado. A única coisa que fizera fora admitir que o amava e dar-lhe tudo o que era… tudo o que tinha para dar. Fora ele que mudara e que a magoara.

No entanto, ouvir o tom da sua voz voltou a partir-lhe o coração, recordando-lhe o momento mais doloroso da sua vida.

Saíra do quarto de Colin naquela noite em que tinham feito amor, sentindo-se ainda amada embora preparada para sentir um certo desconforto. Teria feito sentido. O que não previra fora a dureza com que Colin a expulsaria do seu lado, ignorando sentimentos que achava mútuos.

Abby passara anos a preparar-se para aquele momento, mas fora apanhada desprevenida. Tentou acalmar-se e conter a sensação de saudade que ele causava sempre nela.

Não estava menos nervosa, mas tinha o controlo. Falou num tom sereno e tranquilo.

– A verdade é que Cliff Walk é um estabelecimento que goza de grande prestígio e reconhecimento. E dado que sou sócia e a directora gerente, tenho todo o direito de te pedir para saíres. Boa noite!

Os Hopewell já não tinham o dinheiro que tinham tido antes da morte do pai de Abby e o seu património estava praticamente arruinado. Porém, não estavam em tão mal estado económico para terem de suportar alguém tão detestável sob o seu tecto.

Baixou o olhar para os recibos que estivera a classificar cuidadosamente. Tinham ficado desorganizados quando Colin abrira a porta. Aborrecida, Abby começou a reordená-los, fingindo que ele não estava lá. Só esperava que não visse como as suas mãos tremiam.

Então, uma vozinha alegrou a noite inoportuna fazendo com que o coração de Abby acalmasse.

– Que bom, papá! Eu sabia. É um palácio. E trouxeste-me para conhecer a Branca de Neve!

Abby levantou o olhar e encontrou uma criança de quatro anos que se abraçava à perna de Colin. Sem prévio aviso, a menina soltou-se e atravessou o hall a correr em direcção ao balcão de estilo vitoriano atrás do qual Abby permanecia colada à sua cadeira.

A menina parecia totalmente deslumbrada. Tal como Abby, tinha o cabelo preto como o azeviche e chegava-lhe aos ombros, embora o da pequena estivesse mais despenteado. Ao contrário de Abby, que amaldiçoava o tom tão claro da sua pele, a menina tinha uma tez suavemente morena, salpicada de restos indetermináveis de comida. Tinha uns olhos grandes de uma cor castanha intensa, quase preto, e uma nódoa negra no esquerdo. Naquele momento, tinha os olhos esbugalhados e olhava para ela com um ar adorável. A menina tinha a roupinha amarrotada, molhada pela chuva e de um estilo mais adequado para um menino do que para uma menina. Era adorável.

E se o seu pai não fosse a pior escória da terra, ela podia ter sido a sua mamã. Abby sofrera tanto naquela noite da graduação no liceu que, nove anos depois, continuava a odiar o mês de Junho.

E Colin McCarthy, é claro.

– Vive neste palácio? – perguntou a filha de Colin.

Colin aproximou-se e pousou as mãos nos ombros da sua filha com um gesto protector.

– A menina só gere esta estalagem, Jessie. Vive numa casa muito grande e muito bonita junto do rio.

– A verdade é que vivo aqui – respondeu Abby à menina. – Assim estou disponível se um hóspede precisar de alguma coisa a meio da noite. A casa de que o teu papá fala é Hopewell Manor. Foi onde cresci e fica a menos de um quilómetro daqui pela estrada que sai de Torthúil. Portanto, somos vizinhos.

– O meu papá diz que Torhool é uma palavra irlandesa. Não é, papá?

Colin assentiu, sem se afastar da sua filha.

Jessie McCarthy era uma delícia. Abby tentou conter um sorriso ao sentir uma dor no coração. Se havia uma filha, haveria também uma mãe? Uma esposa?

Abby olhou para a porta, mas não entrou mais ninguém. Onde estaria?

– Torthúil significa «frutífero» – indicou Jessie, atraindo a atenção de Abby novamente.

– E quando era uma quinta era frutífera – concordou Abby. – Eu costumava ir a pé até lá para comprar morangos para os meus avós. E amoras. Às vezes, davam-me uma maçã suculenta ou um pêssego que comia enquanto voltava para casa.

As lembranças brotaram da sua boca e só esperou que Colin não tivesse reparado. Naquela época, parte dos motivos dos seus longos passeios fora a possibilidade de o ver, mesmo que fosse fugazmente.

E assim lho confessara naquela fatídica noite de Junho.

– Eu não gosto daquele sítio – declarou Jessie. – Aquela casa mete medo. Eu quero ficar aqui. Assim poderei ser uma princesa, como tu.

– Eu não sou uma princesa – objectou Abby.

– Não é isso que penso – murmurou Colin.

Abby fulminou-o com o olhar. Qualquer um diria que fora ela que o magoara e não ao contrário. Não só a afastara cruelmente de si depois de ela lhe entregar o seu corpo e o seu coração, como também fizera com que perdesse a amizade da irmã dele, Tracy.

Os pais de Colin deviam ter descoberto o que se passara entre eles naquela noite; provavelmente tê-lo-iam ouvido a falar com o seu amigo, Harley Bryant, enquanto mentia sobre como ela se oferecera e ele a rejeitara. Fosse como fosse, os seus pais tinham proibido Tracy de voltar a vê-la. Perder a amizade da sua amiga mais íntima fora devastador, porém, além disso, a separação levara Tracy para uma espiral de desespero que acabara com a sua vida numa questão de meses. Colin não pudera regressar a casa para assistir ao funeral de Tracy, arrebatando a Abby a oportunidade de falar com ele e de lhe dizer que a morte da sua irmã fora culpa dele.

Abby precisava de lhe dizer o que pensava dele naquele momento, mas não queria magoar a sua doce filhinha. Além disso, já não tinha a certeza de querer que ele soubesse que os acontecimentos do passado ainda a perseguiam. Não queria dar-lhe essa satisfação.

Colin inclinou-se até ficar à altura dos olhos de Jessie.

– Gatinha, porque não vais explorar aquela divisão? – perguntou ele, apontando para a sala de estar. – Mas não toques em nada, está bem?

– Está bem – concordou a menina, antes de fazer o que o seu pai lhe pedia.

Colin observou-a a afastar-se e, seguidamente, virou-se para Abby.

– Não sabia que a casa estava num estado tão ruinoso. Se soubesse, teria procurado outro alojamento.

– Antes de continuares deixa-me dizer-te que lamento a morte do teu pai. Era um bom homem.

– Eu também lamento a sua perda – indicou ele, aceitando as condolências com um assentimento da cabeça. – A morte do meu pai é parte dos motivos pelos quais regressei, para tomar posse de Torthúil. Mas não era seguro ficar lá com Jessie. Podíamos ter ido para a cidade, mas… – um trovão acompanhado por um relâmpago brilhante iluminou o hall e Jessie chegou a correr e a gritar de medo para se refugiar nos braços abertos do seu pai. Colin pegou nela ao colo e abraçou-a fortemente. – Não há problema, Jess. Já passou.

Abby olhou para eles fixamente durante um instante, recordando o que era sentir-se abraçada por aqueles braços num tipo muito diferente de abraço. Colin olhou para ela e Abby desviou o olhar.

Por muito zangada que estivesse, Abby não conseguia enviar aquela criança de volta para a tempestade. Havia muitas estalagens ao longo da estrada que levava a Hopetown, mas o seu cunhado telefonara para a avisar de que era perigoso conduzir naquela noite. O olhar de Colin dizia-lhe que ele também estava ao corrente das más condições da estrada.

– Não seria capaz de expulsar um cão no meio desta tempestade e muito menos um casal com uma menina. A tua mulher está no carro?

 

 

A pergunta do Abby apanhou-o desprevenido. Todos os seus amigos em Los Angeles e, é claro, a sua família conheciam a história do seu casamento inoportuno. Jessie e ele estavam há tanto tempo sozinhos que já esquecera que a maioria das pessoas pensava que havia uma mamã na vida deles.

– Só Jessie e eu. Somos McCarthy e filha, não é, colega? – perguntou ele.

Jessie levantou a cabeça do ombro do seu pai e deu-lhe um beijo na face. Um sorriso de orelha a orelha aflorou no seu rosto quando olhou para Abby, assentindo vigorosamente.

– O papá e eu somos colegas. Fazemos tudo juntos.

– Tenho um quarto com duas camas – sorriu para Jessie. – Imagino que Jessie não quererá estar longe do seu colega numa noite como esta.

– Se nos disseres qual é o quarto, deixarei Jessie e irei buscar as nossas coisas à carinha.

– E vais deixá-la sozinha no quarto? – Abby abanou a cabeça. – Vai agora. Eu fico aqui com ela.

Colin hesitou por um momento. Embora Jessie quisesse ir para o chão para poder falar com a «Branca de Neve», ele não sabia se queria deixar a sua filha com Abby.

– Pelo amor de Deus, não acontecerá nada se a deixares comigo – disse Abby, com um suspiro.

– Está bem. Só demorarei alguns minutos.

Pôs Jessie no chão e voltou a sair. Encontrava-se no alpendre quando um raio iluminou o céu. Pestanejou. Ao longe, juraria ter visto o que parecia uma villa da Toscânia. Várias fileiras de vinhas ficaram visíveis, mas a noite escura apressou-se a escondê-las.

Em que raios se transformara aquele lugar?

Um trovão ensurdecedor recordou-lhe a sua missão. Sem mais demora, Colin baixou a cabeça e saiu para a chuva torrencial. Entrou na carrinha para se resguardar enquanto reunia tudo o que precisavam. Virou-se para a parte traseira e pegou na bagagem de fim-de-semana. Naquele momento, viu os brinquedos de Jessie, entre eles o seu cão de peluche no chão. Sorriu amplamente enquanto pegava neles. «Não posso deixar-te aqui, Ão-ão».

Jessie tinha onze meses quando uma das suas tias lhe oferecera aquele peluche no Natal. Jessie vira-o debaixo da árvore e dissera «Ão-ão», as suas primeiras palavras depois de «pa-pá». Depois, não se afastara dele. Colin não sabia se era porque Angelina desaparecera das suas vidas para sempre mais ou menos naquela época. O apego ao peluche não deixara de o preocupar porque o fazia pensar que havia um vazio na vida de Jessie que ele não fora capaz de preencher.

Casara-se com Angelina quando ela descobrira que estava grávida. O preservativo falhara e ela mostrara-se terrivelmente amargurada por causa da gravidez e da conseguinte interrupção da sua carreira como actriz. Felizmente, ele conseguira apelar à sua estrita educação católica para a convencer a levar a gravidez a termo.

Angelina casara-se com ele por motivos legais e pelo seguro. Nunca tinham vivido juntos como marido e mulher. Ela fizera algumas visitas a Jess durante quase um ano, até decidir esquecê-los e regressar ao Brasil, onde trabalharia numa série de televisão.

Jessie fora dele e só dele desde que saíra do hospital e eram inseparáveis. Colin emitiu uma gargalhada suave enquanto punha os seus outros brinquedos na mala. Recordou como todos tinham olhado para ele na obra quando voltara para o trabalho depois do nascimento. Jessie e uma jovem ama esperavam por ele na sua carrinha estacionada fora da caravana ruinosa em que tinham vivido. A caravana tinha muito mau aspecto, mas renovara e desinfectara o interior, transformando-a assim numa creche.

Os rapazes tinham ficado a olhar para ele como se tivesse perdido a cabeça, mas ele limitara-se a levar Jess e a caravana para todas as obras de renovação em que participara. Fora o seu lar longe do lar até há uma semana. A sua pequena era realmente a sua colega. E tinha mais de cinquenta tios e tias honorários entre as pessoas que trabalhavam na obra. Mas nunca tivera uma mãe.

Um novo raio rasgou o céu, recordando-lhe que a sua filha tinha um pai e, provavelmente, já sentia a sua falta. Pôs Ão-ão dentro da gabardina e, pegou nas malas: uma mala velha do ginásio da universidade de Los Angeles e uma mala com rodas da Branca de Neve totalmente nova.

«Branca de Neve», pensou, com os dentes cerrados, enquanto corria para o alpendre. Precisamente o que pensara quando vira a menina da propriedade ao lado de Torthúil. Fora fazer um piquenique um dia com a sua família perto do rio. A corrente arrastara-a dentro da sua bóia, afastando-a dos outros. Ela rira-se quando ele a tirara do rio perto do dique de Torthúil. E a semelhança com a princesa de conto de fadas continuara a aumentar à medida que Abby crescia.

Ficara ainda mais parecida ao chegar à adolescência. Fora então que ele percebera que o afecto pela amiga da sua irmã se transformara em algo mais. Muito mais. Sabia que era demasiado jovem para ele e alistara-se no exército depois de acabar o liceu no Verão seguinte.

Porém, a ausência só servira para que os sentimentos aumentassem dentro do seu coração. Se não fosse assim, nunca se teria deixado levar quatro anos depois, quando regressara a casa para a graduação da sua irmã Tracy. Também fora a graduação de Abby. Ele imaginara que Abby continuaria a ser tão inocente como o seu alter-ego dos contos. Mas enganara-se.

Colin entrou no hall e ficou petrificado. Jessie estava sentada um degrau abaixo de Abby enquanto deixava que ela a penteasse. O facto em si era quase um milagre, já que para pentear o cabelo era preciso desembaraçá-lo primeiro. Era uma das poucas discussões entre ambos. Jessie não queria cortar o cabelo, mas também não queria que lho desembaraçasse.

– Quando acabar, far-te-ei uma trança – indicou Abby. – Se te deitares com a trança, não ficará tão embaraçado. Também ajuda um almofadão de cetim. Darei um ao teu papá. E na casa de banho do quarto há amaciador que te deixará o cabelo suave. Já está. Agora, a trança.

Numa questão de segundos, uma trança perfeita caía sobre as costas da sua pequena.

– Já está – continuou Abby. – Cabelo escovado, mãos e cara lavadas… Parece que só falta vestir o pijama, comer uns biscoitos e lavar os dentes antes de ires para a cama.

– Vai dar-me biscoitos? De certeza que isto não é um palácio? Que biscoitos tens?

Depois do que estivera a pensar no carro, ver Abigail Hopewell a tratar da sua filha com tanto amor fez com que quase perdesse a força nas pernas. A verdadeira mãe de Jessie nunca demonstrara o afecto natural que Abby parecia dar sem esforço. Então, recordou o que ela lhe fizera e percebeu que não devia deixar que se aproximasse da sua filha. Se não receasse pela segurança da pequena em Torthúil, tirá-la-ia dali o mais depressa possível.

– Acho que Genevieve fez biscoitos de manteiga. E temos muito leite, claro – disse Abby a Jessie.

– Jessie é alérgica a leite – resmungou ele.

Jessie franziu o sobrolho, perguntando-se o que se passava com o seu pai, porque raramente usava aquele tom de voz. Ao mesmo tempo, Abby olhou para Jessie, alarmada.

– Lamento muito, querida, não sabia, mas não faz mal. Também tenho leite de soja. Gostas?

– Sim. Posso beber um pouco, papá?

Realmente era uma coisa insignificante, mas via Jessie tão emocionada com a ideia dos biscoitos e de passar mais tempo com Abby que se sentiu deslocado. Ele era o herói de Jessie e queria continuar a sê-lo.

– Claro, colega. Mas tenho aqui alguém que estava muito assustado no carro. Tenho a certeza de que agradecerá a companhia – replicou ele, tirando o cão de peluche.

– Ão-ão! – gritou Jessie, que correu para ele, reconfortando o coração de Colin.

Abby também se levantou, pálida. Quando falou o seu tom era frio como o gelo.

– Levarei os biscoitos para o vosso quarto. Se não te importares de o procurar sozinho, é ao fundo da escada à esquerda. Número dez – entregou-lhe a chave.

Quando as suas mãos se tocaram Colin sentiu a onda de desejo familiar e traiçoeira que lhe percorria o corpo, coisa que recordava apesar do tempo decorrido. E se a sua intuição não falhava, Abby também a sentira, a julgar pelo seu olhar.

Colin afastou a mão e franziu o sobrolho. Aquilo não ia correr bem. Tinha os seus motivos para ter regressado e Abby não tinha nada a ver com eles.

– Encontrá-lo-emos – garantiu ele. E uma vez lá, trancaria bem a porta para se proteger do que sentia por aquela mulher. – Em relação aos biscoitos, não queremos que te incomodes. Jessie não precisa deles. Tenho a certeza de que não costumas fazer de empregada.

Abby arqueou uma das suas sobrancelhas perfeitamente modeladas. Os seus olhos verdes tornaram-se duros e disseram-lhe que, embora sentisse a atracção do passado, não queria nada com ele.

– A verdade é que costumo servir os hóspedes. É o meu trabalho. E adoro. Levarei o leite e os biscoitos dentro de alguns minutos. Ah! e há casa de banho dentro do vosso quarto, de modo que não têm de se preocupar no caso de Jessie ter de se levantar à noite.

Colin observou como se afastava e sentiu vontade de lhe deitar a língua de fora. Passou uma mão pelo cabelo. Meu Deus, perdera pelo menos quinhentos pontos na escala da maturidade desde que entrara pela porta da estalagem. Porque estava a deixar que lhe fizesse aquilo?

«Porque ela sempre to fez. Essa foi a causa de todos os problemas. Nem sequer teve de se esforçar».

– Não é a Branca de Neve, sabes? – perguntou Jessie. – Mas não achas que é maravilhosa?

– Anda, vamos para cima, está na hora de ires para a cama.

Tinha de pensar numa forma de se livrar da atracção poderosa que parecia continuar a sentir por Abby. De uma vez por todas.

Capítulo 2

 

Abby pôs um copo de leite de soja com sabor a baunilha e um prato com biscoitos numa bandeja. Também acrescentou uma pequena jarra com uma rosa que cortara anteriormente do jardim para que não se estragasse com a tempestade. Deu uma olhadela ao conjunto e assentiu. Queria que fosse uma noite especial para Jessie depois da desilusão que tivera com Torthúil. Além disso, pensava que todas as meninas deviam sentir-se como princesas, pelo menos, uma vez na vida.

Sorriu ao recordar quando ela e as suas irmãs tinham essa idade. Todos aqueles rituais mágicos de irem para a cama: o leite com biscoitos, as histórias, os beijos e os brinquedos. Tinham sempre a sua mãe e Hannah Canton, a sua governanta leal e afectuosa, perto delas. Aparentemente, Jessie não tinha ninguém senão o seu pai que, claramente, nem sequer sabia desembaraçar-lhe o cabelo.

Abby parou ao passar pelo armário da roupa branca. Tirou uma fronha acetinada e pô-la por baixo do braço. Depois, continuou o seu caminho para o fundo do corredor.

Ficou paralisada à frente da porta do número dez, com medo de enfrentar Colin outra vez. O que se passava? Aquele nervosismo não se parecia em nada com a fúria mais do que justificada que queria sentir. Que devia sentir. Apesar do que lhe fizera, aquilo era atracção. O seu amor inquebrável por ele não diminuíra, nem sequer depois de ter sido rejeitada à frente do amigo de Colin. Ela albergara a esperança de que Colin fosse a Hopewell Manor e lhe dissesse que só o fizera para proteger a sua reputação da língua viperina de Harley. Mas, quando descobrira que ele se fora embora antes do previsto, não tivera outro remédio senão enterrar os seus sonhos ingénuos e apaixonados.

Obrigara-se a sair com outros desde aquela noite. Um desses homens fora um estudante de Ciências Políticas quando estava no segundo ano da universidade e o outro fora um director de um hotel que se hospedara em Cliff Walk durante o primeiro Festival Artístico celebrado em Hopetown há dois anos.

Em ambos os casos, sentira-se ligeiramente atraída por eles e tentara fazer com que a relação avançasse para o nível seguinte, porém, ficara paralisada chegado o momento do acto físico. Nenhum dos dois o aceitara bem quando pedira um pouco mais de tempo. Ambos tinham ignorado cruelmente as suas necessidades. E, no final, decidira mostrar-se tão fria e distante como a tinham acusado de ser. O medo de cometer outro erro deixara-a paralisada.

Aprendera a lição não uma, mas três vezes. Simplesmente, não fora feita para viver uma história de amor. A paixão era uma emoção indisciplinada e perigosa e não estava disposta a arriscar-se a deixar que voltassem a partir-lhe o coração. De maneira que se esforçara para ter uma vida tranquila e segura sozinha.

O que importava que algumas pessoas pensassem que era demasiado tranquila? Demasiado estéril? O que importava que os seus ex-namorados tivessem dito que era uma rainha de gelo? E o que importava que essa alcunha fosse real no presente? Ela sentia-se confortável.

Abby endireitou as costas, recusando-se a continuar a hesitar. Olhou-se ao espelho que havia no corredor e gostou de verificar que tinha um ar sereno. Não podia deixar que Colin visse o que a fazia sentir. Ficaria demasiado satisfeito ou tentaria ganhar alguma vantagem.

Respirou fundo. Preparada para o ver, bateu suavemente com os nós dos dedos na porta. Quando esta se abriu, o coração de Abby acelerou, mas foi Jessie que apareceu na soleira.

– Olá! O papá está a mudar de roupa porque diz que se molhou até às cuecas. Isso é para mim?

– S… sim – gaguejou. – E trouxe-te a fronha que te prometi.

Jessie respirou fundo, com reverência e gratidão. Depois, pegou na fronha e levou-a à face.

– Ai, menina Abby! Que suave e sedosa!

– É por isso que é boa para não ficares com o cabelo embaraçado, porque escorrega sobre o tecido – explicou ela, com um sorriso.

A porta da casa de banho abriu-se quando Jessie se atirou para os braços de Abby. Abby conseguiu fazer com que a bandeja não caísse e ouviu a voz de Colin.

– Jessie, quem…? – ficou paralisado a porta da casa de banho, franzindo o sobrolho.

Abby não conseguiu evitar ficar a olhar para ele fixamente. Estava nu da cintura para cima. Fechara o fecho das calças de ganga, mas o botão estava solto e tinha uma toalha sobre um dos seus ombros musculados. Continuava a ter aqueles abdominais fantásticos.

Com graciosidade inata, encaminhou-se para elas e tirou-lhe a bandeja das mãos. Quando os seus dedos se tocaram, Abby afastou as mãos, o que fez com que quase derrubasse o copo.

– Eu… lamento – Abby recuou para a porta. – Espero que gostes dos biscoitos, Jessie. O pequeno-almoço é servido às nove. Desfrutem da vossa estadia em Cliff Walk.

Saiu e fechou a porta atrás dela. Com o coração acelerado, apoiou a testa sobre a superfície fria da porta e respirou fundo para se acalmar. Tinha de se controlar. Não podia deixar que a sua mera presença a perturbasse.

Decidida a encontrar a calma entre os seus pensamentos turbulentos, Abby fechou a estalagem e retirou-se para a torre onde era o seu quarto. Antes fora o quarto da criada, mas ela transformara-o no seu refúgio. Parou no topo das escadas, à espera de sentir a paz de espírito familiar que a embargava sempre, mas em vez de se sentir reconfortada, uma solidão opressiva pareceu apoderar-se dela. Todos os que a rodeavam tinham alguém nas suas vidas menos ela. Quando se encontrava em momentos de tristeza o seu refúgio era um lugar, não uma pessoa.

Mas era assim que ela queria, recordou-se. Era assim que tinha de ser. Em vez de se perder na autocompaixão, começou a desabotoar a blusa enquanto se aproximava da cómoda. Era tudo por causa da tempestade, disse para si. Ou por causa do choque de voltar a ver Colin.

Ou talvez só se devesse à sensação do abraço de agradecimento de Jessie, que desaparecia rapidamente. Ou ao toque das mãos de Colin.

Desprezando aquelas observações inúteis, Abby tirou a roupa de trabalho, vestiu um maiô e sentou-se a fazer ioga à frente das altas janelas vitorianas. Depois de uma inspiração purificadora, pôs-se na primeira posição, sem fazer caso dos raios e trovões, e procurou o seu centro interno, a paz.

Uma hora depois, já realizara todas as posições que dominava e tentara realizar algumas que não dominava tão bem. Depois de um duche, deitou-se na cama e teve de reconhecer a verdade.

O passado continuava a persegui-la.

Disse para si que para além de ter um pai que esperava que os seus filhos ganhassem o seu amor, os primeiros anos da sua vida tinham decorrido com tranquilidade. Os problemas tinham começado no dia em que decidira passar a noite da graduação em casa de Tracy, há nove anos.

Tinham estado a comer qualquer coisa à meia-noite na cozinha de Torthúil e ela ficara a lavar os pratos depois. Ao acabar, apagara a luz quando ouvira a voz de Colin que entrava pela porta traseira da quinta dos McCarthy.

Abby passara anos a amá-lo em silêncio e já estava farta de ser ignorada por ele. De modo que adoptou uma postura sexy com a esperança de que visse como crescera na sua ausência.

menino rico

Bom, James Hopewell estava morto. E isso deixava-lhe um problema. O que ia fazer não só com a fúria que sentia pelo velho, como também com a atracção poderosa que sentia pela sua filha?