Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2011 Marion Lennox. Todos os direitos reservados.

O MEU ANTIGO AMOR, N.º 1324 - Maio 2012

Título original: Abby and the Bachelor Cop

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em portugués em 2012

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-687-0269-8

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

Capítulo 1

Se não podia ser-se útil na cena de um acidente, o melhor era partir. Os mirones só causavam problemas.

A carrinha da associação protetora de animais de Banksia Bay levara uma pancada por trás. Havia cães por todo o lado. As pessoas gritavam. Esther Ford estava histérica.

Abigail Callahan, no entanto, viajava a uma distância prudente e tinha evitado o impacto. Tinha conseguido travar antes de o seu desportivo vermelho embater e fizera o possível.

Certificara-se de que não havia ninguém ferido. Abraçara Esther, tentara acalmá-la e telefonara ao seu filho com a esperança de que ele soubesse encarregar-se do ataque de histeria da mãe. Levara o para-choques partido de alguém para a berma da estrada e inclusive tentara apanhar um cão. Felizmente, não conseguira. Não tinha muito jeito com os cães.

Felizmente, já tinham chegado as autoridades de Banksia Bay, ou seja, Rafferty Finn, da polícia local, portanto, estava na altura de Abby partir.

Estava a fazer o correto.

Tentou fazer marcha-atrás para poder dar a volta, mas a multidão de mirones bloqueava a estrada. Buzinou e Raff olhou para ela.

Como conseguiria afastar as pessoas? Ela não tinha de estar ali. Olhou para a sua pasta e pensou nas anotações que tinha lá dentro e que já deveria estar no tribunal. Em seguida, voltou a olhar para Raff e pensou… Pensou que Rafferty Finn era incrivelmente sensual. O que era ridículo. Abby tinha-se apaixonado por Raff quando tinha oito anos. Já estava na hora de o superar. Já o superara. Tanto que estava noiva e ia casar-se. Com Philip.

Quando Raff tinha dez anos, quando Abby se apaixonara por ele, era um menino magricela, com o cabelo avermelhado espetado. Vinte anos mais tarde, o magricela dera lugar a um homem alto, bronzeado e maduro. Os seus caracóis tinham escurecido até se tornarem acobreados e as suas sardas tinham-se transformado num bronzeado uniforme. Os seus olhos verdes tinham a capacidade de a deixar sem fôlego.

Raff estava a dar ordens aos condutores. Estava tranquilo e mostrava-se autoritário.

– Henrietta, segura o dálmata antes que vire o carro da senhora Ford. Roger, para de gritar com a senhora Ford. Foste tu que bateste contra a carrinha, não ela, e não muda nada o facto de ela ir muito devagar. Tira o teu Volvo da estrada.

Abby virou-se para trás e tentou novamente fazer marcha-atrás com o seu carro. Porque é que as pessoas não se mexiam?

Alguém estava a bater na sua janela. A porta do carro abriu-se. Virou a cabeça e o coração disparou-lhe. Raff estava ao lado dela. Com um cão.

– Necessito da tua ajuda, Abby – resmungou e, antes que pudesse reagir, já tinha o cão dentro do carro. No seu colo. – Preciso que o leves ao veterinário – disse Raff. – Já.

Ao veterinário? A clínica veterinária ficava a quase um quilómetro de distância, nos subúrbios da vila.

Mas não pôde discutir. Raff fechou a porta e começou a ajudar a senhora Ford a levar o seu carro para a berma.

Abby tinha um cão no colo.

O animal olhou para ela como se estivesse tão espantado como ela.

O que se passaria? Porque tinha de ir ao veterinário?

Não estava a sangrar.

Ela tinha de estar no tribunal dentro de dez minutos. O que podia fazer com ele?

O cão inclinou a cabeça e Abby tentou acariciá-lo atrás das orelhas. Parecia que gostava. Os seus olhos eram enormes, castanhos e cristalinos. Não parava de olhar para ela.

Abby abriu a porta, saiu do carro e levou o cão a Raff. Olhava-a sem parar de abanar a cauda. Era um movimento inquieto. Como se não tivesse a certeza de onde estava, mas esperasse que as coisas corressem bem.

Ela sentia-se exatamente igual.

Raff estava novamente entre os carros acidentados.

– Raff, não posso…

Raff deixara de tentar que a senhora Ford fosse para a berma. Ele próprio segurava o volante e dirigia o carro para a berma.

– Não podes o quê? – perguntou-lhe.

– Não posso levar este cão a lado nenhum.

– Henrietta disse que está bem – respondeu Raff. – Foi o único que apanhou. Está a tentar encurralar os outros. Vá, Abby, a estrada está desimpedida. É assim tão difícil? Leva-o ao veterinário.

– Tenho de estar no tribunal dentro de dez minutos.

– Eu também – Raff empurrou o carro da senhora Ford mais alguns metros e parou para recuperar o fôlego. – Se achas que passei anos a tentar colocar Wallace Baxter atrás das grades só para ver como o afetado do teu namorado e tu o tiram de lá porque não posso…

– Para, Raff!

– O que foi?

– Não é afetado – respondeu ela. – E não é o meu namorado. Sabes que é o meu noivo.

– Teu noivo. Está bem, mas é afetado na mesma. Aposto que agora está sentado no tribunal, com o seu fato e a sua gravata de seda. Não como eu, aqui fora a sujar as mãos. Caso da Acusação: só eu e o tempo que posso tirar depois do trabalho. Caso da Defesa: Philip e tu, e duas semanas pagas de preparação. Dois advogados contra um agente de polícia.

– Também há o promotor público…

– Que tem oitenta anos. Dormirá em vez de ouvir. Isto é canja para ti, embora não o demonstres. Mas estarei lá, gostes ou não. Entretanto, leva o cão ao veterinário.

– Estás a dizer que queres que leve o cão ao veterinário para me manter afastada do tribunal?

– Estou a dizer que leves o cão ao veterinário porque não há mais ninguém – respondeu ele. – O teu carro é o único que ainda trabalha. Contactarei o tribunal para pedir um atraso de meia hora. Assim, dar-nos-á tempo aos dois. Vai ao veterinário e volta.

– Mas eu não trato de cães – disse ela. – Raff…

– Não queres sujar o fato?

– Isso não é justo. Não se trata do meu fato. O que se passa contigo? Quero dizer que não posso cuidar dele. E se me morder?

– Não te morderá – respondeu ele, falando como se tivesse oito anos outra vez. – É um cãozinho. Chama-se Kleppy. É o terrier de Isaac Abrahams e vão abatê-lo. Põe-no no banco do acompanhante e Fred recebê-lo-á. Só te peço que o entregues.

Faltavam doze minutos para as dez e estava uma manhã linda em Banksia Bay. O sol aquecia-lhe a cara. O mar brilhava. O som do caos formado pelo trânsito ia diminuindo à medida que os esforços de Raff surtiam efeito.

Abby estava de pé, sem conseguir mexer-se, com um cão nos braços, enquanto as palavras de Raff se repetiam na sua cabeça.

«É o terrier de Isaac Abrahams e vão abatê-lo.»

Conhecia Isaac, ou melhor dizendo, tinha-o conhecido. O idoso vivia a dois quilómetros da vila, em Black Mountain, onde ela já não ia. Isaac tinha morrido há seis semanas e ela estava encarregue do testamento. A filha de Isaac, que vivia em Sidney, tinha ido ao escritório algumas vezes para se encarregar das posses de Isaac. Mas não dissera nada sobre um cão.

– Podes tirar o teu carro da estrada? – perguntou Raff. – Estás a bloquear o trânsito.

– Henrietta deveria encarregar-se dele – disse, enquanto procurava com o olhar a mulher que se encarregava do refúgio de animais.

– Henrietta tem muitos cães para encontrar – respondeu Raff.

– Mas ela é que gere o refúgio.

– E?

– Que é para onde deve ir o cão. Não ser abatido.

– Abby, conheço este cão. Conheço-o há anos – disse-lhe ele. – Levei-o para o refúgio na noite em que Isaac morreu. A sua filha não o quer, ninguém o quer. O único que o quer é o jardineiro de Isaac e Lionel vive numo quarto arrendado, portanto, não pode ficar com ele. O refúgio está cheio. Kleppy esteve seis semanas no refúgio e não podem ficar mais tempo com ele. Fred está à espera. A injeção será rápida. Não o adies mais, Abby. Leva o cão ao veterinário e, depois, encontramo-nos no tribunal.

– Mas…

– Fá-lo! – virou-lhe as costas e começou a dar ordens aos reboques que acabavam de chegar.

Acabava de dar um cão a Abigail Callahan e ela parecia totalmente desconcertada. Era adorável.

Embora já estivesse na hora de deixar de pensar que Abby era adorável. Em adolescente, Abby fora como uma parte dele, do seu ser, mas ela andava há dez anos a olhá-lo com reprovação. Tinha passado de uma rapariga risonha a alguém de quem não gostava.

Ele tinha matado o seu irmão. Raff tinha conseguido aceitar aquela tragédia do passado, mas, mesmo assim, tinha matado uma parte dela. Como é que alguém conseguia superar algo parecido? Estava na hora de aceitar que ele nunca conseguiria.

Que tipo de nome era Kleppy para um cão? Raff não deveria ter-lhe dito o seu nome.

Embora Abby o tivesse descoberto. O animal tinha uma coleira azul de plástico, do refúgio de animais, mas quem lha pusera voltara a pendurar-lhe a chapa de identificação, como se quisesse deixar-lhe um pouco de personalidade até ao fim.

Kleppy. O nome estava esculpido à mão na parte traseira do que parecia ser uma medalha. Abby deixou o cão no banco do acompanhante. O animal deu duas voltas e sentou-se. Ela não conseguiu evitar virar a medalha.

Com efeito, era uma medalha. O velho Abrahams fizera algo impressionante na guerra. Ela tinha ouvido rumores, mas nunca o tinham confirmado. Aquilo era confirmação suficiente. Uma medalha de honra pendurada ao pescoço de um cão sem lar chamado Kleppy.

Seis semanas no refúgio de animais. Tinha ido lá uma vez com a turma. Muros de cimento com um pequeno pátio. Muitos cães a olharem-na com esperança.

– Quem gere este sítio faz um grande trabalho – recordava que dissera a sua professora. – Mas não podem salvar todos os cães. Se pedirem uma mascote no Natal aos vossos pais, têm de compreender que um cão pode viver até vinte anos. Todos os cães merecem um bom lar, meninos.

Ela devia ter treze anos então. Recordava que tinha olhado para os cães e que começara a chorar.

E também se lembrava de Raff a dar-lhe palmadinhas no ombro.

– Não faz mal, Abby. De certeza que há alguém que os quer. Aposto que todos encontrarão um lar.

– Sim, na casa da tua avó – dissera alguém de forma grosseira. – Quantos cães tens tu, Finn?

– Sete – dissera ele e a responsável pelo refúgio tinha apertado os lábios.

– Veem? Esse é o problema. Nenhuma família deveria ter mais do que dois.

– Portanto, devias trazer cinco para aqui – dissera alguém a Raff e ele ficara calado.

Talvez fosse o que pensasse Philip, embora não recordasse que Philip estivesse lá. Mas inclusive então Philip já era viciado em regras.

Tal como os seus pais.

– Não queremos um cão abandonado – tinham-lhe dito, horrorizados, naquela noite, tantos anos antes. – Porque queres o que outros abandonaram?

Tinha de recordar o conselho dos seus pais naquele momento, porque o que Isaac Abrahams tinha abandonado estava no seu carro.

– Tira o carro daqui, Abby – disse Raff. Ela levantou o olhar e viu-o diante do carro.

– Não quero…

– Nem sempre se consegue o que se quer – resmungou ele. – Pensei que já tivesses idade suficiente para te dares conta. Enquanto pensas, tira o carro.

– Mas…

– Ou mandarei que o reboque o leve por obstruir o trânsito – acrescentou ele. – Não tens escolha. Mexe-te.

A única coisa que tinha de fazer era levar um cão ao veterinário e, depois, ir para o tribunal. Que dificuldade havia?

Enquanto conduzia, Kleppy continuava sentado junto dela e observava-a. Era como se lhe confiasse a sua vida.

Abby sentia náuseas.

Aquilo não era responsabilidade dela. Kleppy pertencia a um idoso que tinha morrido há seis semanas. A sua filha não o queria. Ninguém o queria, portanto, o mais sensato era abatê-lo.

Mas e se…?

Ela ia casar-se dentro de nove dias com Philip.

A sua casa estava cheia de presentes de casamento. O seu vestido estava pendurado no hall. Fizera-o ela mesma e adorava-o.

Aquele cão pisá-lo-ia e o vestido de seda acabaria cheio de pelos.

Aquilo era absurdo. Para que aquele cão o pisasse teria de estar na sua casa e aquele cão dirigia-se para o veterinário.

O animal olhou para ela e ganiu. Depois, tocou-lhe no joelho com a pata.

Levou-lhe cinco minutos a chegar ao veterinário e a pata de Kleppy continuava sobre o seu joelho.

Abby parou o carro. Kleppy não tremia. Ela sim.

Fred saiu e dirigiu-se diretamente para a porta do lado do acompanhante.

– Raff telefonou a dizer que vinhas – disse, enquanto tirava Kleppy. – Obrigado por o trazeres. Sabes quando trarão os outros?

– Henrietta estava a tentar apanhá-los. Quantos são?

– Mais do que quero imaginar – respondeu Fred. – Três meses depois do Natal, os cãezinhos deixam de ser bonitos. Mas não é problema teu. Eu encarrego-me a partir daqui.

– Será rápido?

Fred olhou para ela com o sobrolho franzido. Abby tinha andado na escola com a sua filha. Ele conhecia-a bem.

– Não o faças.

– O quê?

– Não penses. Continua com a tua vida. Faltam nove dias para o casamento?

– Sim.

– Então, já tens demasiado com que te preocupar para pensares em cães sem lar. Philip e tu não quereriam um cão. Não são pessoas de cães.

– O que queres dizer?

– Os cães sujam. Não são o vosso estilo. Devem preferir peixes coloridos. Desejo-te um casamento fantástico, se não nos virmos antes.

Virou-se. Já não conseguia ver Kleppy.

– Fred?

– Sim?

– Não consigo suportá-lo. Podes examiná-lo e devolver-mo?

– Devolver-to? Quere-lo?

– É o meu presente de casamento para mim mesma – sabia que era um desafio, mas não lhe importava. – Já decidi. Que dificuldade pode representar um cão? Posso fazê-lo. Kleppy é meu.

Fred fez o possível para a dissuadir.

– Um cão é para sempre, Abigail. Os cães pequenos como Kleppy podem durar dezasseis anos ou mais. Isso significa que o terias durante dez anos.

– Sim – respondeu ela.

– É um cão rafeiro – insistiu Fred. – É um cruzamento de terrier com outra raça.

– Tanto faz.

– O que dirá Philip?

– Philip dirá que estou louca, mas não faz mal – respondeu ela, embora, na realidade, tivesse os seus reparos.

– Está saudável?

– Parece que está em choque e está muito mais magro do que quando Isaac o trouxe para as últimas vacinas. Creio que mal tenha comido desde que o velho morreu. Isaac encontrou-o há seis anos, um cachorrinho, no contentor do lixo. Houve alguns problemas, mas acabaram por se tornar inseparáveis. Mas parece que está bem. E agora?

– Vou levá-lo para casa.

– Necessitará de comida. De uma cama. De uma trela.

– Passarei pela loja de animais. Diz-me o que tenho de comprar.

Mas Fred estava a olhar para o relógio, com ar ansioso.

– Necessitam-me urgentemente num parto. Vais ver Raff no tribunal, não vais? Ele dir-te-á o que necessitas.

– Como sabias que…?

– Toda a gente sabe tudo em Banksia Bay – disse Fred. – Sei onde deverias estar neste momento. Sei que Raff atrasou a sessão meia hora e que o juiz Weatherby não gostou. Está farto de Raff, mas não de ti, portanto, tudo aponta para que tirarão Baxter da prisão. Embora isso não agrade às pessoas de Banksia. Mas, se o teu salário te permite comprar comida para cães, quem sou eu para me queixar? Livra Baxter da prisão e, depois, fala com Raff sobre a comida. Fazem-lhe desconto na loja.

– Porquê?

– Porque Raff tem um pónei, dois cães, três gatos, dois coelhos e dezoito porquinhos-da-Índia – respondeu Fred. – A sua casa é um jardim zoológico. Surpreende-me que não tenha ficado com Kleppy, embora suponha que até ele tem um limite. Vemo-nos por aí, querida. Que sejas muito feliz com o teu novo cão.

Capítulo 2

Abby não podia ir à loja naquele momento. Primeiro, teria de falar com Raff. Mesmo assim, Kleppy necessitava de alguma coisa. Mas do quê?

Parou no supermercado e comprou uma taça para a água, uma trela vermelha e um osso.

Depois, dirigiu-se para o tribunal.

– Ouve, salvei-te – disse a Kleppy, que continuava sentado no banco do lado e parecia ansioso. – Podias alegrar-te.

Estacionou o carro no seu lugar de estacionamento. Era ao sol.

Talvez ela não fosse uma pessoa de cães, mas não era tola. Não podia deixá-lo ali. E tampouco podia levá-lo para casa enquanto não a tivesse posto à prova de cães.

Portanto, conduziu mais dois quarteirões, até ao estacionamento local. Havia árvores lá e poderia deixá-lo preso perto do carro.

Deu-lhe água e o osso, e o cão ficou sentado no chão, com ar triste.

Abby suspirou. Tirou o casaco e pô-lo no chão, junto de Kleppy.

O cão cheirou-o e deitou-se em cima dele. Mas continuava triste.

– Voltarei ao meio-dia – disse. – Duas horas, no máximo. Prometo. Depois, decidiremos para onde vamos.

Talvez pudesse recorrer a Raff. Fred dissera que tinha muitos animais em casa. Que diferença faria mais um cão?

– Gostarás de Rafferty Finn – disse a Kleppy. – É um bom homem.

Mas como conseguiria convencê-lo? Ou a Philip?

Não podia pensar nisso naquele momento. Agarrou na pasta e dirigiu-se para o tribunal, sem olhar para trás. Pelo menos, não mais do que meia dúzia de vezes.

Kleppy observou-a até a perder de vista.

Não queria abandoná-lo. Mas não podia importar-lhe. Tinha trabalho para fazer e não havia nada mais importante do que o trabalho.

O que a esperava era o caso contra Wallace Baxter.

Wallace era um dos três contabilistas de Banksia Bay. Os outros dois tinham rendimentos normais. Wallace, no entanto, tinha a maior casa de toda a vila. Os seus filhos frequentavam a melhor escola privada de Sidney. Sylvia Baxter conduzia um Mercedes descapotável e esquiavam em Aspen duas vezes por ano. Tinham uma casa lá.

– Investimentos acertados – costumava dizer Wallace, mas, depois de anos de malabarismos, a situação complicara-se. O próprio Wallace não seria afetado, pois todas as suas propriedades estavam em nome da sua mulher, mas havia muitos aposentados na vila que sofreriam. – É por causa da crise económica – dissera a Philip e a Abby. – Eu não sou responsável pela bancarrota dos bancos estrangeiros. O facto de trabalhar a nível internacional…

Dado que trabalhava a nível internacional, os seus acordos financeiros eram difíceis de rastrear.

Tratava-se de um caso pequeno. O promotor público da vila deveria ter-se reformado há anos. O caso contra Wallace fora atribuído a Raff, que tinha poucos recursos e ainda menos tempo. Portanto, ele tinha razão, era provável que Philip e ela livrassem Wallace da prisão.

Philip levantou-se para a receber com ar de alívio, pois os documentos que precisavam estavam na sua pasta.

– O que raios…?

– Raff contou-te o que aconteceu?

– Disse-me que tinhas de levar um cão ao veterinário para o abaterem. Esse não é o seu trabalho?

– Tinha de remover os carros.

– Chegou aqui antes de ti. O que te atrasou? E onde está o teu casaco?

– Sujo de pelos de cão – pelo menos, aquilo era verdade. – Podemos começar?

– Será um prazer – disse o juiz, secamente.

Portanto, Abby sentou-se e ouviu Philip a expor o caso. A irritação devia dar-lhe forças naquela manhã, pois estava aguerrido e audaz. Era o melhor advogado que conhecia. Triunfaria na cidade. O facto de que tivesse regressado à vila por causa dela ainda lhe parecia incrível.

Os seus pais adoravam-no. De facto, o pai de Philip fora o padrinho de Ben. Já eram da família.

– Quase compensa a perda do nosso Ben – costumava dizer a sua mãe. O seu noivado agradara a toda a gente.

Exceto… Exceto…

«Não vás por aí», disse a si mesma.