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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

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© 2016 Harlequin Books S.A.

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Traição e fúria, n.º 77 - maio 2018

Título original: The Return of the Di Sione Wife

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

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Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-467-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

 

 

 

 

Maui, a ilha do Havai, era tão tropical e exuberante como a anunciavam, algo que irritou Dario di Sione assim que saiu do seu avião privado. Aquela humidade era como um abraço íntimo e não gostava de intimidade. Aquele ar espesso colava-se à pele e as calças de ganga desbotadas e o casaco feita à medida que trouxera de Nova Iorque envolviam-no como um pano enquanto percorria a pista de aterragem minúscula para o Range Rover que o esperava, como ordenara. A ligeira brisa trouxe-lhe todos os cheiros da ilha, desde o verde exultante até ao mais intenso da cana-de-açúcar, como beijos que não pedira. Só queria ter uma conversa de negócios, não deixar-se levar por uma overdose sensorial numa maldita pista de aterragem.

– O carro está à espera, como tinham prometido? – perguntou Marnie, a secretária, pelo telemóvel de última geração que tinha na orelha. Era um usuário entusiasta dos produtos cobiçados da sua empresa. – Ficou claro que precisávamos de um veículo todo-o-terreno. Aparentemente, o caminho até Fuginawa é abrupto e…

– Não importa que seja abrupto – interrompeu Dario, tentando conter a impaciência.

Não queria estar ali tão pouco tempo depois de, no fim de semana anterior, a sua empresa ter lançado o último produto para o mercado, mas isso não era culpa da secretária. Não devia ter permitido que o sentimentalismo de um idoso se impusesse à sua racionalidade, que tanto lhe custara adquirir. Essa era a consequência. Estava na outra ponta do mundo, quando devia estar no seu escritório, rodeado de palmeiras e cheiros exóticos para satisfazer o capricho de um idoso.

– O Range Rover é mais do que suficiente e está aqui, como tínhamos pedido.

Marnie passou para a lista interminável de chamadas e mensagens que se acumulara durante a primeira ausência dele do escritório onde, literalmente, dormira durante os últimos meses. Foi como voltar atrás, aos nervos que sofrera há seis anos, quando começara a ICE. Franziu o sobrolho ao receber outra rajada de brisa sufocante. Não gostava de voltar atrás nem daquela brisa. Era fragrante e sensual, acariciava-lhe o cabelo e entrava-lhe pela camisa como os dedos de uma mulher. Revirou os olhos devido àquelas fantasias e passou uma mão pela barba incipiente. Sabia que não parecia o conselheiro de uma empresa informática que era a menina mimada do setor e do público. Além disso, não tinha vontade de estar ali.

Aquela viagem era um desperdício absoluto do seu tempo, pensou, enquanto Marnie continuava a falar das mensagens e chamadas que exigiam a sua atenção imediata. Devia estar no seu escritório de Manhattan a tratar de tudo. Pelo contrário, viajara dez horas por causa das lembranças do avô para satisfazer o pior dos sentimentalismos. Há muitos anos, Giovanni vendera a sua coleção de joias, que adorava, e falara delas sem parar durante toda a juventude de Dario. Naquele momento, quando tinha noventa e oito anos e enfrentava a morte iminente e, com a teatralidade e dignidade habituais, queria recuperá-las. Quando o avô lhe pedira para comprar os brincos, dissera que o faziam pensar no amor da sua vida. Vendera-os a um multimilionário japonês na sua fazenda isolada do Havai.

Suspirou ao recordá-lo enquanto atirava a mala para a parte traseira do Range Rover e tirava o casaco. Ainda não sabia porque fizera caso ao avô quando lhe ligara, no princípio daquele mês, e lhe pedira algo tão disparatado. No entanto, quem negava a um idoso o que, segundo ele, era o seu último desejo antes de morrer?

– Manda-me esses dados por correio eletrónico, Marnie – pediu à secretária, antes de ela conseguir perguntar o que era aquele barulho.

Abençoada mulher. Era mais confiável do que qualquer outra pessoa que ele conhecesse, incluindo as que faziam parte da família melodramática e cansativa. Recordou-se que tinha de lhe dar outra bonificação generosa e merecida, mesmo que fosse apenas para não ser um dos pesadelos Di Sione que tinham o mesmo sangue do que ele.

– Dá-me um minuto para ligar as mãos livres e começa a passar-me as chamadas.

Não esperou que Marnie falasse e arregaçou as mangas com a esperança de aliviar um pouco a humidade tropical. Ligou o auscultador, sentou-se ao volante do Range Rover impecável, pô-lo a trabalhar, inseriu a morada no GPS e saiu do aeródromo enquanto recebia a primeira chamada.

No entanto, continuava a pensar no avô e no amor da sua longa vida enquanto ouvia um dos seus diretores a falar de uma situação que podia ser enganosa sobre o telemóvel que tinham apresentado no fim de semana anterior. Os amores perdidos, segundo a sua própria experiência, perdiam-se por um bom motivo. Normalmente, e para começar, porque não tinham sido dignos de tanto amor. Se não, e aquela era a sua teoria preferida, porque o amor era uma mentira descomunal que as pessoas contavam a elas próprias e aos outros para justificar o seu comportamento terrível, teatral e digno de pena. Além disso, os amores perdidos não deviam ser encontrados outra vez. Era preferível deixar o passado onde estava para não contagiar o presente. Custara-lhe não dizer isso ao avô quando lhe contara aquela história tão sentimental sobre amores e segredos. Contara-lhe, de uma forma ou de outra, durante toda a sua vida. Depois, pedira-lhe para fazer aquele recado absurdo que qualquer outro podia ter feito. No entanto, costumava morder a língua no que dizia respeito a esses sentimentos ridículos que os outros fingiam que eram mais do que razoáveis. Razoáveis, racionais e, sobretudo, necessários. No entanto, ele sabia que dizê-lo não servia de nada. Contudo, não ia discutir com o avô, que tomara conta dos irmãos e dele depois de os pais morrerem. Também se apercebera de que, quanto mais dava a sua opinião, mais lhe chamavam cético, como se fosse uma crítica à sua maneira de ser ou lhes permitisse desdenhar a sua opinião. Há anos que deixara de se preocupar. Há seis anos.

Além disso, a verdade era que se importava tão pouco que o mais fácil era fazer o que lhe tinham pedido, viajar até à outra ponta do mundo para recuperar uns brincos que podiam ter enviado por serviço de mensageiros se, aparentemente, não tivessem esse valor sentimental. Também sabia, vagamente, que o avô pedira a todos os irmãos Di Sione para recuperarem alguma das joias a que chamava as suas Amantes Perdidas, mas ele estivera tão ocupado com o lançamento do seu último produto que não prestara grande atenção aos melodramas da família Di Sione. Já lidara com isso durante toda a vida e fartara-se quando tinha oito anos, quando os pais imprudentes tinham morrido num acidente de viação que podiam ter evitado perfeitamente e os paparazzi tinham caído sobre eles como um enxame. Os seus sentimentos sobre esse assunto não tinham melhorado.

Havia uma parte dele, uma parte que não disfarçava muito, que teria sido feliz se não tivesse voltado a saber dos familiares. Uma parte que esperava que isso acontecesse de uma forma natural quando o idoso falecesse. Estava impaciente. Adoraria refugiar-se no seu trabalho como fazia sempre. Bastava-lhe gerir a ICE, a empresa informática mais importante do mundo. Era um lugar que alcançara com decisão e muito trabalho, como conseguira tudo o resto que era dele, tudo o que perdurara.

Além disso, o único integrante da família que realmente amara fora Dante, o gémeo idêntico. Até Dante também o ter devastado. Não podia negar que a traição do irmão o magoara, mas também aprendera que era preferível rodear-se de pessoas a quem pagava pela sua lealdade. Não queria pensar no irmão. Aquele era o inconveniente de participar em algo com a família, levava-o a pensar em coisas que tentava evitar. Presumira que, se cumprisse a tarefa do avô, como supunha que o resto dos irmãos fizera, podiam parar de se comportar como se o que acontecera há seis anos fosse culpa dele ou como se ele tivesse parte da culpa do que acontecera porque destruíra o seu casamento e a sua relação com Dante. Não pedira ao irmão para ir para a cama com a esposa durante uma das épocas mais tensas da sua vida. Além disso, recusava-se a aceitar que fizera algo mau por não ter perdoado nem a esposa nem o irmão. Ambos o tinham abandonado à sua sorte e tinham-no feito acreditar que a tensão entre eles era porque tentavam resolver o que podiam fazer com a empresa que Dante e ele tinham criado e se deviam fundir-se ou não com a ICE, algo que lhe parecia uma boa ideia e a que Dante se opunha. Toda essa tensão e insónias para acabar por descobrir que o tinham traído desde o começo…

Naquele momento e ali, precisamente no Havai, pensou que o único problema era que ainda prestava atenção ao que alguém da família Di Sione dizia, fazia ou pensava. Isso tinha de acabar.

– Vai acabar – prometeu-se. – Acabará assim que entregar esses malditos brincos ao velhote.

Atravessou o bairro de escritórios de Kahului e seguiu as instruções do GPS para sair da zona comercial e dirigir-se para o centro da ilha. Depressa se encontrou numa estrada que abria caminho entre plantações exuberantes de cana-de-açúcar e subia pelas colinas que, como ele próprio tinha de reconhecer, apresentavam umas vistas impressionantes. O Oceano Pacífico resplandecia com o sol do verão e, ao longe, conseguia ver outra ilha verde e dourada. Ele não tirava férias, mas, se o fizesse, supunha que aquele seria um bom sítio para onde ir. Tentou imaginá-lo enquanto esperava que outra chamada chegasse. Nunca se deitara à beira de uma piscina ou à beira-mar. A última vez que tirara algo parecido com umas férias fora para passar um fim de semana dedicado aos desportos extremos com um dos inumeráveis génios milionários de Silicon Valley. No entanto, como contratara esse génio e a sua tecnologia de última geração depois de se atirar de paraquedas no Canhão do Colorado, achava que não contava. Além disso, também não estivera deitado sem fazer nada durante aquele fim de semana. Sempre trabalhara. Era possível que, se não tivesse trabalhado tanto há seis anos, tivesse visto o que se aproximava. Talvez tivesse captado os indícios do que se passava entre a esposa e o irmão, em vez de supor, ingenuamente, que nenhum dos dois lhe faria uma coisa dessas… Porque pensava numa história tão velha? Abanou a cabeça.

A estrada decorreu por umas falésias rochosas até se desviar por um caminho de terra avermelhada. Diminuiu a velocidade. Estava a ouvir um dos seus engenheiros quando ficou sem sinal. Olhou para o ecrã do GPS e percebeu que ainda faltava bastante caminho. Não entendia como alguém podia viver ali, tão afastado do resto do mundo. Sabia que o dono dos brincos do avô era um homem rico e famoso pelas suas excentricidades e por ter aumentado consideravelmente a fortuna familiar, mas aquilo era levar as coisas um pouco demasiado longe. Podia pavimentar o caminho. Embora, claro, adorasse Nova Iorque. Gostava de estar sempre onde as coisas aconteciam, onde podia passear às quatro da madrugada e as ruas continuavam tão buliçosas como se fossem quatro da tarde, onde podia passar inadvertido na rua e o reconheciam assim que entrava num restaurante na moda. Não entendia aquela solidão silenciosa, por muito bonita que fosse. Não entendia para que servia, deixava demasiado espaço para a contemplação melancólica. Efetivamente, a sua ideia de relaxar era fechar uma operação nova e aumentar a sua carteira de valores, algo que fazia muito bem.

Passou à frente de uma pequena loja, o único vestígio de civilização que vira em muitos quilómetros, e continuou pelo caminho poeirento na base das montanhas ameaçadoras. À esquerda, havia muros de pedra e pastos verdes que subiam pelas ladeiras das montanhas e, à direita, uns campos mais selvagens acabavam em falésias cada vez que o caminho dava a volta numa curva. Sentia-se como se estivesse noutro planeta.

– Só o faço por ti, velho – balbuciou.

No entanto, era a última vez que tencionava fazer um esforço, até mesmo por Giovanni, o avô. Já estava farto da família. Sem rede, sentia-se dominado pelos pensamentos sombrios, algo que evitava sempre que podia, como fizera durante os últimos seis anos. Desligou o ar condicionado e abriu as janelas para sentir aquela brisa misteriosa que cheirava à luz do sol e a flores desconhecidas, que o rodeava e parecia enchê-lo por dentro. Afastou os pensamentos e concentrou-se na paisagem rural que o rodeava. Custava-lhe acreditar que estava num dos destinos mais turísticos do mundo. Aquela parte de Maui não tinha os hotéis de luxo e os campos de golfe que se tinham apropriado de toda a ilha ou de todo o Estado do Havai. Era uma paisagem agreste e indómita. Seguiu pelo caminho até às praias e paredes de pedra vulcânica. Uma igreja, pequena e orgulhosa, erguia-se no fim do mundo e voltou a dar por si a subir colinas.

Quando estava a perder a paciência, encontrou a entrada resplandecente da fazenda Fuginawa. Finalmente. Teve uma breve conversa através do intercomunicador e as portas de ferro imponentes abriram-se para o deixar entrar. Aquele caminho também não estava pavimentado, mas estava muito melhor cuidado do que o anterior, a que chamavam estrada, embora fosse de terra avermelhada e erva. O caminho privado levou-o até um círculo amplo que havia por trás de uma propriedade impressionante que parecia prolongar-se ao longo de quilómetros com vistas espantosas do mar e do horizonte. Saiu do Range Rover e não pôde evitar inalar aquele ar que o enjoava.

Era muito bonito, mas aquilo não ia gerir a sua empresa por ele e não se importava com a sensação do sol na cara depois da viagem compridíssima de avião e de ter passado as duas semanas anteriores a revisitar o passado. Olhou para o relógio e viu que era meio-dia, a hora a que a secretária marcara a reunião com os representantes de Fuginawa. Não havia nenhum motivo para não conseguir os malditos brincos do avô e voltar imediatamente para o avião. Podia estar em Nova Iorque no dia seguinte. Não tinha de ficar naquele lugar. Passou os dedos pelo cabelo e seguiu o caminho que levava à porta impressionante de estilo ligeiramente oriental. Os seus passos eram a única coisa que se ouvia no silêncio. Até a porta se abriu sozinha e sem fazer barulho.

Um empregado sorridente recebeu-o e acompanhou-o pela casa elegante, que tinha tetos altos com ventoinhas e obras de arte, muito caras e reconhecíveis, nas paredes. Os espaços interiores abriam-se para o exterior com portas de vidro que deixavam entrar a luz e o ar e que faziam com que a casa se misturasse com os elementos de uma forma que lhe parecia… temerária, quase inquietante, dado os quadros inestimáveis que havia nas paredes. No entanto, o que importava? Não eram as suas obras de arte, a única coisa que estava a desperdiçar era o seu tempo, mais nada. O empregado convidou-o a sentar-se num terraço exterior que estava coberto por uma parreira e que tinha uma vista muito ampla do Oceano Pacífico e do caminho que acabara de percorrer. Estava tudo tão silencioso que quase achava que conseguia ouvir as ondas que quebravam contra os escarpados negros, algo que tinha a certeza de que era impossível quando estava àquela altitude. Pôs as mãos nos bolsos. Se tivera de subir por aquele caminho até àquele ponto isolado, supunha que uma vista assim quase valia a pena. Quase.

Ouviu uns passos atrás dele e virou-se com vontade de chegar ao fundo do assunto daquela viagem absurda e voltar para Nova Iorque o mais depressa possível. Era um homem muito ocupado que não tinha tempo para observar a vista no lugar mais remoto do mundo… Então, ficou petrificado. Por um instante, achou que estava a imaginar, pois não podia ser ela. O cabelo liso e moreno caía-lhe até aos ombros com a perfeição que recordava. O corpo flexível e elegante com um vestido preto, comprido, largo e muito apropriado para o clima tropical, que lhe caía ao longo das pernas intermináveis… E o rosto. Um ovoide perfeito com uns olhos escuros rasgados, umas maçãs do rosto ligeiramente proeminentes e uma boca carnuda que ainda tinha a capacidade de fazer com que todo o seu corpo reagisse descontroladamente.

Observou-a fixamente. Era um homem adulto e ficou a observá-la como se fosse um espetro enquanto aquele maldito vento havaiano continuava a persegui-lo.

– Olá, Dare.

Cumprimentou-o com aquela calma exasperante que ele recordava muito bem e usou o nome que sempre usara, o nome que só ela pudera empregar. Só Anais, a esposa. A esposa traidora e a pessoa que pensara que nunca mais veria. A pessoa de quem também não se divorciara porque gostava da ideia de a manter presa ao homem que traíra há seis anos. Ali, naquele momento, quando ela estava à frente dele, não lhe parecia um descuido imperdoável, parecia-lhe um erro terrível.

 

 

Anais Kiyoko passara seis anos a recear aquele momento. Mesmo assim, nada a preparara para ele, para o seu Dario em carne e osso. Nunca adivinhara as suas intenções, nem quando o conhecera numa tarde normal de inverno nem quando se transformara num desconhecido em pleno casamento, quando a acusara da pior traição imaginável e a abandonara. Naquele momento, pensou que tomaria as rédeas, que não voltaria a surpreendê-la. Só precisava de recuperar do choque de voltar a vê-lo quando presumira que nunca mais o veria.

– Pode saber-se o que fazes aqui? – perguntou ele.

Era a mesma voz grave e profunda que a queimava por dentro. Era ele. Naturalmente, esperara-o, mas, no fundo, também pensara que não apareceria depois de todos aqueles anos, depois de como deixara as coisas. No entanto, era ele. Dario estava à frente dela no terraço do senhor Fuginawa. Além disso, e apesar das suas preces ao longo dos anos, o tempo não o desgastara como teria gostado. Não era um feto desfigurado pelo seu coração frio e vazio e pelas suas imaginações sombrias, como merecia. Não estava curvado pelo peso de tudo o que fizera. Antes pelo contrário. Dario di Sione, injustamente, ainda era o homem mais bonito que alguma vez vira. Irradiava virilidade como os outros homens, muito menos interessantes, cheiravam a loção pós-barba ou perfume. Usava umas calças de ganga e uma dessas camisas suaves como um sussurro que se ajustavam aos planos maravilhosos do seu peito com as mangas arregaçadas para mostrar a pele dourada e a força dos braços. Também sabia que os óculos de sol escondiam uns olhos tão azuis como o céu do Havai e que contrastavam com o cabelo moreno e um pouco comprido e com a barba, de alguns dias, que cobria o seu queixo perfeito.

Maldito fosse ele e maldita fosse ela por ser tão sensível como sempre, apesar de tudo.

– Fiz-te uma pergunta.

Anais pestanejou para tentar afastar aquela reação tão inoportuna, mas cravou os dedos nas pastas de couro que trazia e suspeitou que não enganara ninguém.

– Espero que não tenha sido difícil encontrar este lugar.

Disse-o como se fosse uma reunião de trabalho das muitas que tinha como advogada do senhor Fuginawa. Era a sua primeira linha de defesa e a sua forma preferida de comunicar com o mundo exterior.

– O caminho é um pouco arrevesado.

Dario não se mexeu, mas ela teve a sensação de que a agarrara pelo pescoço. Custou-lhe respirar. Sobretudo, quando ele tirou os óculos de sol e fixou os olhos azuis nela com um brilho de fúria.

– A sério, Anais? É assim que queres lidar com isto?

– Retomamos a conversa onde a deixámos há seis anos, Dare? É o que queres? O facto de me teres abandonado sem me dizer uma palavra dá-me a entender que não.

– Aquilo foi uma conversa? Eu teria usado uma palavra mais desagradável para descrever o que encontrei.

– Isso é porque tens a mente podre. No entanto, receio que não tenha nada a ver comigo, nunca teve.

Ele riu-se. Não foi a gargalhada que ela recordava da primeira vez que se tinham visto, quando ela estava no terceiro ano de Direito na Universidade de Colúmbia e ele estava a acabar o seu MBA.

– Não me preocupo o suficiente para te perguntar o que queres dizer. Vim até aqui por causa de uns brincos, não para brincar aos fantasmas do passado contigo. Podes ajudar-me com isso, Anais, ou organizaste tudo isto para me armar uma cilada?

Ela, por algum milagre, conseguiu não ficar boquiaberta.

– Sabias que esta reunião era comigo – admitiu. – Trocámos mensagens de correio eletrónico durante semanas.

– A minha secretária trocou mensagens durante semanas – corrigiu ele. – Eu estive ocupado com coisas realmente importantes. Além disso, não te lisonjeies. Se soubesse que estarias aqui, eu não estaria.

A sua voz era tão cortante como a que recordava naquele dia terrível em que saíra da sua vida sem olhar para trás. Como se nada tivesse mudado, como se achasse realmente que era a rameira infiel que decidira imediatamente que era por um momento inocente, e fácil de explicar, com o irmão atroz. Não conseguia acreditar que ele nunca procurara uma explicação… Nem lutara. Simplesmente, fora-se embora.

Isso significava que as esperanças que depositara na reunião daquele dia eram apenas sonhos que mantivera vivos durante todo aquele tempo enquanto fingia que o esquecera e pensava que talvez se tivesse arrependido do que fizera. Já era bastante terrível que tivesse tido aquelas fantasias que lhe indicavam como estava desesperada, mas o pior era que ele continuava sem saber nada sobre Damian. Fora até àquele canto remoto do Maui por causa de brincos, não por ela… E, certamente, não por causa do filho.